Imagine cabos submarinos que atravessavam continentes para transmitir mensagens através de pulsos elétricos em pleno século 19. Assim funcionava o telégrafo, tecnologia que mudou o curso da história ao encurtar como nunca, até então, o tempo para se passar uma informação. Essa tecnologia foi a primeira rede de comunicação com alcance global, sendo chamada de “a internet vitoriana” por alguns autores.
Há 150 anos, em 22 de junho de 1874, o Bairro do Recife recebeu o primeiro cabo telegráfico que ligou o Brasil à Europa, continente onde hoje o Porto Digital tem atuação através do Porto Digital Europa. O cabo partia de Lisboa, passando pela Ilha da Madeira e por Cabo Verde, até chegar à capital pernambucana.
A instalação ocorreu em uma antiga sede dos Correios, bem ao lado da Torre Malakoff, onde atualmente fica o prédio da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado de Pernambuco.
Até então, o Brasil esperava cerca de três a quatro semanas para receber notícias da Europa, se os jornais fossem transportados através da navegação a vapor – com navio à vela, poderia demorar até quatro meses. Após esse cabo, o tempo foi encurtado para algumas horas.
Como o telégrafo chegou ao Recife?
Bem antes da conexão com a Europa, o telégrafo foi introduzido no Brasil em 1852, no Rio de Janeiro. Com a percepção de que essa invenção poderia aproximar forças políticas, promovendo uma integração nacional, o imperador Dom Pedro II decidiu construir uma linha telegráfica da capital federal até Pernambuco em 1873.
Originalmente, a concessão para a instalação foi dada pelo governo imperial ao empresário gaúcho Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, em 1872, mas foi repassada para a empresa escocesa Western & Brazilian Telegraph Company (W&BTC).
“Mauá estava acostumado a operar grandes investimentos com sócios estrangeiros, sobretudo britânicos, e passou um ano buscando parceiros para dividir os riscos da empreitada, sem conseguir. Ao desistir, em 1873, Mauá repassou a concessão para um escocês, John Pender, que já tinha bastante experiência na instalação de outros cabos submarinos”, explica Pedro Aguiar, professor do curso de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense.
Pender fundou as empresas Western & Brazilian Telegraph Company, para cabear o litoral brasileiro, e Brazilian Submarine Telegraph Company (BSTC), para ligar Portugal ao Brasil, via Ilha da Madeira e Cabo Verde.
“Tudo mudou com a instalação do cabo telegráfico submarino do Atlântico Sul, em 22 de junho de 1874, no Recife. A partir desse momento, o Brasil (e, por extensão, toda a América do Sul) ficou conectado à Europa e à América do Norte, já que o cabo do Atlântico Norte operava desde 1866”, diz Aguiar.
Em 23 de junho de 1874, o “Jornal do Recife” celebrou em sua primeira página. “Estamos, pois, em comunicação instantânea com o mundo inteiro, e já ontem mesmo se trocaram alguns despachos particulares com a praça de Londres. Da mensagem à resposta só mediaram duas horas. Não há de que duvidar: uma nova era começou ontem para o nosso país.”
O jornal ainda descreveu como foi a recepção para o cabo. Os responsáveis pela instalação desembarcaram na Praça do Comércio (atual região da Praça do Marco Zero) em um navio chamado “Investigator”.
Uma festa foi realizada em frente à antiga sede da Associação Comercial Beneficente, dos consulados e de empresas particulares. “Ao som de música militar, centenas de foguetes despertaram a atenção do público, atraindo a população ao ligar da improvisada festa”.
Pela noite, o Arsenal da Marinha foi iluminado, executando diversas peças de músicas. Também se iluminou a Câmara Municipal, tocando na porta uma música militar.
Por que o Recife?
Em termos geográficos, talvez a cidade de Natal (RN) fosse a mais bem localizada para receber o rabo em relação à proximidade do continente Europeu. Contudo, o Recife detinha o principal porto na distância mais curta para a extensão do cabo. A escolha da capital pernambucana ocorreu também por motivos econômicos e políticos.
“Recife era o local onde existia um epicentro de notícias econômicas e a circulação de muitos jornais. Essa infraestrutura tecnológica buscava estar próxima das redes de notícias, pois a rapidez da informação criava um grande diferencial na tomada de decisão do mundo financeiro. O cabo foi instalado inicialmente nos Correios, que detinha o monopólio de uma série de serviços públicos de comunicação”, explica José Afonso da Silva Jr., professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco.
Outra demonstração dessa posição privilegiada em relação ao Atlântico Norte é que os jornais do Recife publicavam determinadas notas internacionais antes dos jornais do Rio de Janeiro.
“Recife era o primeiro porto de atracação dos navios que vinham do Atlântico Norte, trazendo correspondência e jornais estrangeiros. Não só o Diario de Pernambuco, que no ano que vem celebrará seu bicentenário, mas também o Jornal do Recife, que existiu de 1858 a 1938, eram normalmente os primeiros a publicar notícias da Europa e da América do Norte”, diz Aguiar.
Impacto no jornalismo
O cabo Lisboa-Recife acelerou tremendamente o ritmo de produção dos jornais, que puderam ter à disposição uma quantidade grande de notícias para preencher as páginas, mesmo que o noticiário local estivesse mais escasso.
Diversos jornais surgiram nesse período, a exemplo de “A Província de S.Paulo”, atual Estadão, ambos em 1875, ou “A Província do Pará”, em 1876.
O jornalismo também encontrou novas possibilidades de negócios, visto que os jornais de cidades como Recife, Belém e Rio de Janeiro (que detinham o serviço telegráfico) passaram a vender as suas próprias notícias para outras publicações.
“Grosso modo, essa é a lógica que dura até hoje, com os serviços da Agência Estado, Folhapress e Agência O Globo. É praticamente uma tradição da imprensa brasileira”, diz Pedro Aguiar.
Tecnologia
O telégrafo foi a primeira tecnologia de comunicação a separar a informação de seu suporte ao converter informações em impulsos elétricos que, codificadas na origem, podiam ser recebidas, decifradas e disseminadas no ponto de destino.
Os cabos eram produzidos nos navios e jogados no alto mar, um processo chamado de “assentamento”. Eles continham fios de cobre e eram revestidos com guta-percha, uma resina vegetal de impermeabilização.
“É interessante pensar que hábitos comuns, muito semelhantes aos que se tem hoje com a internet, surgiram com o telégrafo. Por exemplo, os operadores, em horas ociosas, ficavam batendo papo, em uma espécie de chat”, conta José Afonso da Silva Jr.
“Por causa do ‘tempo real’ do telégrafo, foi necessário sincronizar os relógios do mundo, criando os fusos horários que fracionam o planeta em fatias de horas, mas padronizando os minutos”, conta Aguiar.
As Western & Brazilian Telegraph Company e Brazilian Submarine Telegraph Company (BSTC) foram fundidas em 1899. A “Western Telegraph” chegou a ter sede em um edifício que hoje abriga o museu Paço do Frevo na Praça do Arsenal. Essa empresa manteve o monopólio sobre o telégrafo até 1973, quando completou o seu centenário. A concessão não foi renovada pelo regime militar.
“Somente com a adoção do padrão tecnológico digital e da adoção da fibra óptica, nos anos 1990, é que a cidade de Fortaleza substituiu o Recife como o “hub sul-americano” das telecomunicações submarinas”, finaliza o professor da UFF.
Mais de um século depois da chegada do telégrafo, o Bairro do Recife continua a ser um centro de informação, agora no campo da tecnologia da informação e comunicação digital.
O Porto Digital, um dos principais parques tecnológicos do Brasil, abriga empresas de TI, startups e centros de pesquisa que impulsionam a economia criativa e tecnológica do Recife. A ilha continua sendo um epicentro de avanços e conectividade, consolidando-se como um elo entre o passado e o futuro da comunicação.
Em falar em terras europeias, o Porto Digital também é pioneiro no processo de internacionalização de startups. Com uma sede recém-construída na área história da cidade de Aveiro, em Portugal, o objetivo é criar o primeiro ecossistema brasileiro de empresas de tecnologia na Europa. A perspectiva é ter, até o final do ano, 50 empresas brasileiras embarcadas e 50 empresas embarcadas virtualmente.
Esse novo cruzamento pelo Atlântico se faz possível com o apoio de diversas instituições, como a Câmara Municipal de Aveiro, a APEX, o SEBRAE, a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Governo de Pernambuco e mais parceiros.
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