PARIS/ FRANÇA

Jana Gluzman

“Moro em Paris há pouco mais de 20 anos. Paris sempre foi um lugar agradável de caminhar pelas ruas. Além da beleza, é seguro. Podemos nos permitir andar sem preocupação e sem medo de ser assaltado. Hoje, as ruas parisienses estão cada vez mais voltadas aos pedestres. Existem ruas que foram totalmente fechadas aos carros; outras que são fechadas só durante o fim de semana (exemplo, as ruas na borda do Sena). Outras ainda que não são fechadas nunca, mas que no fim de semana tem tanta gente circulando que os carros não se atrevem a passar; só os desavisados (a exemplo da rue des Rosiers, no Marais).

Há alguns anos a prefeitura de Paris tem um projeto de diminuir drasticamente a circulação de carros na capital francesa. Já são anos de obras e mais obras. E toda vez que estou de carro eu vejo que está cada vez mais impraticável usá-lo. Dependendo do lugar, eu uso o metrô ou vou andando.

Quando estou andando pelas ruas, sinto que faço verdadeiramente parte do todo. Adoro andar e olhar as luzes acesas nas casas, olhar de relance o interior e avistar uma parede repleta de livros, ou em outra um casal na sacada, ou uma senhora regando uma planta, admirar uma obra de arte… Imaginar quem mora nessas casas, o que fazem, se são felizes, o que gostam de ler. Na minha cabeça, imagino mil coisas. Andar pelas ruas de Paris é escutar várias línguas, sotaques. É virar uma esquina e se deparar com um monumento histórico grandioso. É conhecer pessoas, é parar do nada num café e tomar uma taça de vinho enquanto leio um livro e vejo a vida passar.”

Vinícius Tiné

“Eu moro na Cité Universitaire desde o ano passado e este é um local bastante especial no sul de Paris, onde vivem estudantes, pesquisadores, atletas e artistas, distribuídos em residências oficiais de diversas nacionalidades. Na minha vida como residente neste local, valorizo o contato com a natureza enquanto pedestre, tanto nas ruas da Cité que deságuam nas largas e movimentadas avenidas do bairro – muito bem servido pelo transporte coletivo e vias para bicicletas – quanto no Parque Montsouris, belíssimo refúgio dos que aqui habitam e buscam en passant uns minutinhos junto ao verde e aos bichos, enquanto retornam aos seus lares.

Esta foto tirei do parque Montsouris. Em um raio de 10 minutos a pé no máximo, chego na faculdade, onde faço parte do meu doutorado em Economia, a Paris School of Economics, e também encontro tudo que preciso, como mercado, padaria etc. A caminhabilidade faz uma grande diferença na qualidade de vida.

MELBOURNE/ AUSTRÁLIA

Gisele Freire

“A grande Melbourne tem 5 milhões de habitantes e 31 prefeituras. A área onde moro tem 141.845 mil habitantes e a minha prefeitura cobre cinco bairros, como seriam chamados no Brasil. As prefeituras são responsáveis pela manutenção das ruas, tráfego, estacionamentos, registro de animais de estimação e por aí vai.

Essa gestão mais local ajuda não apenas com a resolução de problemas como com o desenvolvimento das áreas onde moramos. Existe consulta à população quando algum novo projeto ou investimento precisa ser aprovado. Isso reflete na nossa qualidade de vida e no tipo de serviços oferecidos aos moradores.

Aqui as escolas públicas têm, de uma forma geral, um sistema de zoneamento. Dependendo da rua onde você mora, você é ‘alocado’ para a escola ‘x’, que normalmente fica próxima da sua casa. É tão bonito ver de manhã um monte de criança indo para a escola andando ou de bicicleta – às vezes, na companhia dos pais, especialmente os mais novos, mas vemos muitas indo sozinhas ou com amiguinhos também.

Com isso, a vida da gente acaba ficando bem local. O bairro onde moro tem uma superinfraestrutura de áreas de lazer, shoppings, lojas, farmácias, bancos, escolas, praia… Eu moro a 57 km do centro de Melbourne e, apesar de achar o centro lindo, só vou em ocasiões especiais, como para assistir a um show ou uma peça.

No que isso resulta? Em qualidade de vida. Passamos menos tempo correndo de um lado para outro. Acaba ficando tudo muito centralizado na área onde moramos, casa, escola e trabalho. Fica mais fácil ir aos eventos da escola, os amiguinhos da escola moram perto. As atividades extras também são perto de casa. Acho que isso fortalece o espírito de comunidade”.

BARCELONA/ ESPANHA

Taíza Brito

“A prefeita Ada Colau tem criado na cidade áreas de pacificação, assim eles chamam, para que as pessoas possam caminhar tranquilamente, ter um espaço para as crianças brincarem, para as pessoas caminharem, e esse projeto integra nove áreas da cidade que formam o que eles chamam de superilha. Então, pouco a pouco a prefeitura está transformando esse espaço, cortando o tráfego de veículos, e com a intenção também diminuir a emissão de gases na atmosfera. Em Barcelona, o nível de contaminação atmosférica é muito alto. A criação dessa área de superilhas servirá para ampliar possibilidades para que as pessoas andem a pé ou de bicicleta.

E muitas dessas áreas estão no entorno de escolas, que é para as crianças poderem sair com segurança, seus pais pegarem essas crianças com segurança, então é bem interessante porque cria espaços para você andar pela cidade que já tinham – em comparação com as cidades do Brasil, aqui temos calçadas niveladas para você poder andar com carro de bebê, com cadeira de roda, com bicicleta e a pé e elas têm o mesmo nível. E facilita para ter acesso ao serviço público de transporte. No Brasil, eu dirigia e ia de carro para o trabalho pra todo lugar e aqui, apesar de nós termos carro, a gente só usa no final de semana e eu deixei de usar o meu para andar de transporte público ou vou a pé. É super diferente, é superinteressante e é muito bom. E espero que isso ajude realmente a reduzir a poluição na cidade”.

BRITISH COLUMBIA/ CANADÁ

Bruna Siqueira Campos

“Como não gosto de dirigir, morar em uma cidade que respeita a mobilidade urbana plural, oferecendo transporte público de qualidade e segurança na caminhabilidade, foi uma meta. Moro fora desde 2021, em Burnaby, British Columbia, no Canadá, e aqui faço tudo andando: pequenas compras, levar o filho à escola, ir à academia, etc. O único impeditivo é o clima, uma vez que chove bastante na cidade, mas isso é facilmente contornável com um casaco impermeável e um guarda-chuva.

Existe uma lógica bastante interessante no sistema escolar público canadense, que é matricular as crianças na escola mais próxima da sua residência. Gasto menos de dez minutos para levar ou buscar meu filho de 5 anos, a gente vai de patinete ou andando, e agora vou comprar uma bike para aproveitar ainda mais a cidade com meu pequeno. Essa interação também desperta um sentimento de comunidade maior: interagimos mais com o nosso bairro, com os outros pais…

Quando preciso fazer distâncias maiores, uso o sky train, que é 100% automatizado – das catracas ao funcionamento, não há maquinista. Dependendo do lugar onde se vá, fazer o percurso de carro até dificulta: tem bastante engarrafamento em Downtown, por exemplo, que é o centro da cidade de Vancouver. Acaba não sendo uma opção muito inteligente de transporte para o dia a dia. Até porque a cidade também oferece ônibus normal e os aquabus, ou seja, é uma cidade intensamente navegável. Impossível não comparar com o Recife, que tem tantos rios e zero aproveitamento de balsas ou ônibus aquáticos.

No passado, morei por três anos em Tóquio e a lógica também era a mesma: bike para todos os lugares, e se precisássemos ir mais longe, deixávamos a bicicleta em algum estacionamento apropriado para elas próximo à estação de trem. Isso foi de 2008 a 2010.

Antes de voltar a morar no Brasil, passei ainda uma temporada em Nova York para estudar inglês – onde o princípio do transporte público é o mesmo, embora um pouco mais precário do que no Japão. Escolhi a cidade de NY justamente por oferecer essa mobilidade urbana descolada da lógica do uso intensivo de carros, como temos em diversas cidades brasileiras e outras norte-americanas. Não queria ter que depender de um táxi ou de carona para me deslocar para lugar nenhum, e o perfil da cidade influenciou 100% na minha decisão.

Hoje, após a experiência de morar em três grandes cidades de países economicamente mais desenvolvidos do que o Brasil – Japão, Estados Unidos e Canadá -, vejo quanto ainda temos a evoluir no que diz respeito à mobilidade nas grandes cidades. É preciso investir em segurança ostensiva e também mudar a cultura urbana, para permitir que as pessoas tenham assegurado o seu direito de ir e vir. Isso é crucial e urgente.

Os brasileiros ainda associam muito o fato do carro a um status social mais elevado, senti isso fortemente em 2010, quando voltei para o Recife e andar de bicicleta ainda era coisa de gente estranha. Isso tem mudado bastante, mas precisa mudar mais rápido. Não sou contra carros e também temos um em casa, mas o carro não pode ser a única opção. Tem que ser mais uma opção”.

Link abaixo para a continuação da série: 

DIANTE DE GRANDES INTERVENÇÕES, O MEDO DO NOVO

Silvia Bessa é jornalista. Gosta de revelar histórias que se escondem na simplicidade do cotidiano. Venceu três vezes o Prêmio Esso e tem quatro livros publicados

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