O termo “Vale do Silício” passou a ser usado para se referir à região das empresas globais de tecnologia na década de 1970. Alguns anos depois, o apelido inspirava uma iniciativa inovadora em Pernambuco, Nordeste do Brasil, a 9 mil km da Califórnia. Nos anos 1980, Recife foi o “Vale da Areia”, um capítulo importante da luta por um polo tecnológico no Estado.
Foi nesse período que o então governador Marco Maciel (1979-1982) compreendeu a importância da criação de um Polo de Informática. A sua gestão pretendia trazer ao Estado benefícios da Política Nacional de Informática – reserva de mercado para incentivar a indústria brasileira.
Essa intenção se tornou pública na inauguração da sede da Sociedade dos Usuários de Computadores Eletrônicos e Equipamentos Subsidiários (Sucesu), em 1979. Essa iniciativa por muitos anos apontou para os riscos da dependência da informática do Sul.
Em 1982, também foi criada no Recife uma sede do Centro Latino Americano de Desenvolvimento da Informática (Cladi), cuja matriz era no México, para fortalecer o polo e promover a pesquisa. Contudo, a comunidade de informática não interagiu com o projeto, que foi desativado.
Enquanto o sonho do Polo de Informática era adiado, naquele momento também surgia a interessante iniciativa do Vale da Areia. Esse apelido foi dado a um grupo de empresas locais de tecnologia que se uniram na criação do primeiro computador totalmente pernambucano, o Corisco.
A produção do Corisco começou em 1982 numa parceria do Departamento de Física da UFPE com a Elógica, empresa de José Belarmino Alcoforado. Foi organizado um ciclo de produção com 12 empresas locais, numa inovadora linha horizontal de montagem. A Elógica fazia a checagem final.
Esse ciclo de produção foi apelidado de Vale da Areia pelo próprio Belarmino. “Areia” porque era como produzir numa espécie de deserto: essas empresas buscaram alternativas, inovaram e acabaram contribuindo para o desenvolvimento da informática pernambucana.
Entre as empresas estavam: Cactus Tecnologia, Promic Projetos e Assessoria Técnica, Global Eletrônica, Alternativa Consultoria em Sistemas e Processamento de Dados, Art-Técnica Indústria e Comércio, Gênesis Sistemas de Computação, entre outras.
O Corisco ficou pronto em 1986. De início, foi um sucesso e vendeu cerca de 2.300 unidades, atraindo clientes de peso como o Banco do Estado de Pernambuco (Bandepe). Com conexão de duas impressoras, ele custava um terço do valor das máquinas importadas. Conheça os primeiros computadores em Pernambuco neste artigo do Jornal Digital.
As empresas do Vale da Areia foram juntas para uma feira internacional de computação no Rio de Janeiro. Elas ficaram no estande chamado “Por que Pernambuco?”. Na viagem, uma peripécia: a Kombi que levava os Coriscos pegou fogo no meio da Avenida Brasil – os computadores não foram atingidos.
Logo após o lançamento do Corisco, uma multinacional chegou a fazer uma proposta de compra do projeto por um alto valor, retirando apenas a sua logomarca. Belarmino, no entanto, negou pelo compromisso que tinha com as empresas locais. Caso o projeto fosse vendido, as empresas “morreriam”.
Outra situação semelhante ocorreu na fabricação. O gabinete do computador era feito de poliuretano, enquanto o ideal seria plástico. Porém, os gabinetes de plásticos eram vendidos por empresas de São Paulo e adotá-los significaria deixar os pernambucanos para trás.
Anos depois, o próprio Belarmino admitiu que esses foram “erros estratégicos” do projeto, pois o produto acabou não tendo o acabamento ideal. Porém, as atitudes mostram como o Vale da Areia tinha um caráter regionalista e, por isso, marcou toda uma geração de técnicos.
Contudo, havia uma grande dependência do Vale ao projeto dos computadores Corisco. Nos anos seguintes, o negócio não conseguiu encarar a competitividade da concorrência e o ciclo ruiu – assim como um “castelo de areia”.
Apesar disso, a semente já havia sido plantada. Se no Vale do Silício existia o mito das “empresas nascidas em garagem”, no Recife eram os demitidos dos setores de processamento de dados de bancos, da Emprel e jovens estudantes que fundavam pequenas empresas de tecnologia.
Em 1986, uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro sobre informática no Nordeste revelou que o Recife estava à frente de Salvador e Fortaleza por vários fatores, como infraestrutura, distritos industriais, incentivos fiscais e programa estadual de apoio. O sonho do polo da informática era cada vez mais real.
Embora o Vale da Areia não tenha vingado, os esforços do setor não cessaram. Pode-se dizer que ele foi uma das sementes que geraria, em 2000, o Porto Digital, que hoje é o maior parque tecnológico urbano do Brasil.
Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio
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