Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1998, o prédio que atualmente abriga o museu Paço do Frevo, na Praça do Arsenal, Bairro do Recife, carrega uma história ligada à inovação das comunicações no mundo. Era nele que funcionava a Western Telegraph Company Limited, empresa inglesa que por muito tempo operou os telégrafos no Brasil.

Prédio da Western Telegraph na Praça Arthur Costar em 1914 – Crédito: Henrique Martins via Brasiliana Fotografia

Esse tipo de tecnologia surgiu na metade do século 19, com equipamentos que utilizavam energia elétrica para enviar pulsos que eram interpretados por códigos que correspondiam a letras do alfabeto. A junção desses códigos formava mensagens.

Mapa Mundi com os cabos telegráficos submarinos – Crédito: Revista Brasileira de História da Ciência

O telégrafo foi introduzido no Brasil em 1852, no Rio de Janeiro. Com a percepção de que essa invenção poderia aproximar forças políticas, promovendo uma integração nacional, o imperador Dom Pedro II decidiu construir uma linha telegráfica da capital federal até Pernambuco em 1873.

Foi o inglês John Pender, um magnata desse setor, quem recebeu as concessões para operar linhas telegráficas com as empresas Western and Brazilian Telegraph Company (WBTC) e Brazilian Submarine Telegraph Company (BSTC), que mais tarde se fundiram na Western Telegraph Company.

Cabos submarinos do litoral brasileiro de 1873 no Hunterian Museum, em Glasgow – Crédito: Atlatic Cable

A WBTC instalou primeiro um cabo que ligava Belém (PA) ao Recife, seguindo para o Rio de Janeiro. O curioso é que essas linhas telegráficas funcionavam através de cabos submarinos. Imagine navios cortando o Atlântico enquanto “assentam” cabos no mar: era exatamente esse o trabalho feito pelas empresas da época, em pleno século 19.

A construção da linha Pará-Pernambuco-Rio de Janeiro usou o vapor inglês Hooper, que transportou e instalou o cabo em todo o litoral do Nordeste, sendo o primeiro navio construído especialmente para essa finalidade. A inauguração do serviço telegráfico submarino foi recebida com muito entusiasmo pela sociedade, chegando a ocasionar uma festa na Associação Comercial Beneficente de Pernambuco.

Vapor inglês Hooper, que transportou e instalou o cabo no litoral norte brasileiro – Crédito: Atlantic Cable

Em 1874, o Brasil iria receber as primeiras linhas telegráficas internacionais com cabos submarinos transatlânticos. A primeira a ficar pronta foi a que ligou o Brasil à Europa através de uma rota que partia do Recife para Cabo Verde, Madeira e Lisboa. Isso mudou radicalmente a velocidade com que o País recebia notícias da Europa. E lá estava o Recife, cumprindo o seu papel de protagonismo regional econômico e tecnológico.

O primeiro prédio da Western Telegraph Company na capital funcionava no antigo Cais da Lingueta, área bastante importante do Bairro do Recife que atualmente corresponde à Praça do Marco Zero. Lá ficavam sedes de grandes empresas e estabelecimentos bancários.

Primeiro prédio da e Western Telegraph Company no Cais da Lingueta, Porto do Recife, em 1904 – Autoria Desconhecida

Em 1908, fica pronto o novo prédio da Western Telegraph na Praça Arthur Oscar (ou Praça do Arsenal). O edifício de quatro pavimentos e arquitetura eclética tinha um piso marchetado com madeira nobre do Pará, dourada e marrom, com grandes mesas e escrivaninhas dos escritórios também feitas de requintada madeira brasileira. Todo o edifício era praticamente à prova de fogo, com teto de amianto e paredes de cimento, aço e tijolo.

A disposição dos novos escritórios foi cuidadosamente estudada para obter o máximo de eficiência; existiam tubos pneumáticos para transportar mensagens dos balcões públicos para a sala de instrumentos. Numa outra sala, os meninos mensageiros recifenses se sentavam esperando para levar telegramas sobre a cidade.

Prédio da Western Telegraph – Crédito: Fundação Joaquim Nabuco. Coleção de Josebias Bandeira (ano desconhecido)

Assim registrou a “The Pan American Magazine”, em maio de 1915:

“A sala dos eletricistas está além da minha compreensão, mas admiro de todo o coração a magnífica sala de aparelhos no topo do prédio”.

“Em outra sala existe um armário de aparência inofensiva, mas cheio de fios que estão amontoados com mensagens silenciosas de todo o mundo passando por eles. A sala onde as baterias são guardadas – o verdadeiro sangue dos cabos – surpreende em sua modéstia; não parece possível que esses poucos frascos de aparência discreta sejam realmente os pais de tanta atividade, uma atividade que leva mensagens do outro lado do mundo.”

Praça Arthur Oscar na década de 1940 -Crédito: Alexandre Berzin

Em 1915, sete cabos pertencentes à Western saiam do Recife pela costa brasileira e mais ao Sul, com um deles chegando até Buenos Aires, na Argentina. O total de funcionários da empresa no Recife era de cerca de cem, dos quais mais de quarenta eram europeus e o restante brasileiros.

A Western do Recife atravessou boa parte do século recebendo mensagens de todo o globo, até parar de funcionar em 1973, quando completou seu centenário. O motivo foi a não renovação da concessão pela Embratel, que tutelava todos os serviços de telecomunicações do Brasil. A Western permaneceu no Brasil através de suas empresas: a Wesstec (de engenharia de sistemas) e Ecodata (comercialização de produtos eletrônicos).

Notícia no Diario de Pernambuco em 25 de março de 1973

A Western Telegraph foi um dos serviços operados pelos ingleses no Estado junto com a Great Western of Brazil Railway Company (empresa que construiu a primeira linha férrera do Nordeste), a Pernambuco Tramways (bondes elétricos) e a Telephone Company of Pernambuco, além das instituições bancárias Bank of London & South America e London & River Plate Bank.

O belo prédio eclético, que por anos foi vitrine de tanta inovação, passou três décadas abandonado, até ser restaurado para abrigar o Paço do Frevo em 2014. O museu é um espaço de ações de difusão, pesquisa e formação nas áreas da dança e da música do frevo, um patrimônio imaterial pela UNESCO.

O atual prédio do Paço do Frevo abriga um rico acervo da cultura pernambucana – Crédito: Paço do Frevo/Divulgação

Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio

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