Por Pierre Lucena* e Silvio Meira**
Dias atrás, um tuíte de um dos autores deste texto (Pierre Lucena), viralizou em redes sociais e fóruns acadêmicos, com a seguinte mensagem: “O campus está esvaziado”. O que inicialmente poderia parecer um comentário normal pós-pandemia se revelou, na verdade, um diagnóstico curto e preciso da nossa realidade educacional e universitária.
A imagem acima é do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Pernambuco, pouco antes de iniciarem as aulas de uma segunda-feira do período letivo, mostrando o prédio completamente esvaziado. O que chamou mais a atenção é porque este centro era conhecido por ser completamente lotado no período noturno, com alunos de administração, economia e cursos afins. Mas esta não é nem de longe uma situação apenas da UFPE, mas algo que está presente em todas as universidades em cursos com aulas mais teóricas.
Em uma entrevista recente, o presidente da Fapesp, Marco Antonio Zago, disse que “ou as universidades se reestruturam, ou correrão o risco de se tornarem irrelevantes”. Nós achamos que o Professor Zago foi extremamente comedido nesta declaração; as universidades já vêm se tornando irrelevantes há algum tempo, e correm o risco de se tornarem completamente caso não reajam a um conjunto de situações que, para muitas delas, está se tornando terminal.
Desde o fim da crise sanitária mundial, os espaços físicos das universidades têm testemunhado um certo esvaziamento. No entanto, não é apenas a pandemia que tem impulsionado essa tendência. Há uma evasão marcante ocorrendo, cujas raízes parecem se entrelaçar com uma mudança mais ampla na percepção do ensino superior pelos alunos.
Metodologia de ensino é questionada
A didática tradicional, embasada principalmente em aulas expositivas, unidirecionais, com um professor repetindo, muitas vezes muito mal, o que está nos livros, não parece mais sustentar o interesse dos estudantes. Nota-se um desejo crescente por um aprendizado mais prático, que engaje e prepare de forma mais direta para os desafios que os alunos sabem que têm na sua vida pós-universidade. Cursos online com esse perfil têm ganhado um destaque cada vez maior, atraindo muitos dos alunos que optam por deixar os campi fisicamente isolados das universidades.
É inegável que a universidade, quando viva e diversificada de alunos, professores e outros agentes e espaço de aprendizado, convívio, pesquisa e produção de conhecimento, tem um valor intrínseco. Contudo, se a universidade como instituição perder, como organização, essa “ambiência universitária”, que se caracteriza pela interação humana próxima e pela troca de ideias, perderá seu sentido mais relevante. As pessoas simplesmente optam por não irem para a universidade se pouca gente está indo. E cada vez menos gente irá se cada vez menos gente for, Precisamos reavaliar, urgentemente, como estamos conduzindo a educação superior.
Um fator importante a ser considerado é a crescente migração de estudantes para os cursos à distância (EAD). Em muitos casos, essa escolha está associada à busca de um diploma, porém, não podemos ignorar que o EAD se apresenta, cada vez mais, como uma alternativa viável e econômica, já que a titulação de uma boa universidade privada é reconhecida, aceita pelo mercado e remunerada da mesma forma que cursos presenciais.
Estamos diante de uma curva de utilidade em que, para muitos, está se tornando mais econômico investir em um bom curso EAD do que arcar com os custos do deslocamento e da (falta de) vida universitária no campus isolado. Um curso à distância em universidades privadas renomadas no Brasil, como as PUCs ou a Mackenzie, custam entre R$400 e R$600 por mês, praticamente o mesmo que gasta um aluno de uma universidade estatal gratuita para se deslocar para um campus isolado e distante. É como se o aluno chegasse à conclusão de que pode ter o mesmo resultado sem o mesmo custo de investimento pessoal, em dinheiro e (principalmente) tempo.
Porém, o mais preocupante não é o simples abandono dos campi, mas os motivos por trás dessa decisão. Os estudantes não estão abandonando seus cursos por serem incapazes de acompanhar o ritmo de estudo ou devido a dificuldades acadêmicas. São, na verdade, bons alunos que, cientes de que as aulas e os cursos são longos e, em alguns casos, pouco produtivos, estão buscando novas formas de aprender.
Esse panorama nos desafia a repensar o formato do ensino superior. Afinal, o objetivo primordial da universidade deve ser proporcionar um ambiente de aprendizado que seja adequado, envolvente e proveitoso para todos os estudantes. A adaptação à nova realidade é urgente e necessária para evitar um esvaziamento ainda maior e a perda do propósito que move nossas instituições universitárias.
A tendência de esvaziamento dos campi isolados é particularmente evidente nas áreas de humanas. As disciplinas de humanas, conhecidas por sua forte ênfase em aulas expositivas, parecem ser as mais afetadas por essa mudança de paradigma. A demanda por conteúdo prático, tangível e diretamente aplicável à vida real tem se mostrado cada vez maior, deixando para trás cursos que não se adaptam a essa nova perspectiva. Basta ver que, aparentemente, o mesmo desengajamento não ocorre em áreas de saúde ou outras que possuem carga horária prática mais efetiva.
Esta é uma mudança complexa, que envolve muito mais do que a simples substituição de aulas expositivas por aulas práticas. Trata-se de uma revisão completa dos métodos de ensino, que passa necessariamente pela reflexão sobre o que ensinamos, como ensinamos e, principalmente, como os alunos aprenderiam melhor. Nas centenas de comentários do tuíte que gerou este texto, temos pontos relevantes colocados, como a distância dos campi, péssimo sistema de transporte público, a pouca preocupação com o mercado de trabalho, a necessidade de trabalhar, a falta de assistência estudantil adequada, inflexibilidade de docentes e vários outros pontos.
Universidades estão se preparando para discutir o desengajamento?
O que realmente nos intriga é o silêncio nas universidades, especialmente as estatais, sobre essa questão crítica. Nos parece que parte significativa da comunidade acadêmica está anestesiada, assistindo ao fenômeno de esvaziamento dos seus cursos, escolas e campi sem sequer discutir o problema, sua extensão e complexidade e criar hipóteses de soluções potenciais. Se tal indiferença persistir, podemos chegar a um ponto em que muitas universidades serão meras sombras do que já foram, principalmente nos cursos de humanas, o que será um imenso problema para o futuro do país.
Corremos o risco de ver o ensino superior transformado de forma irreversível, sem que tenhamos tido a oportunidade de direcionar e influenciar essa transformação de forma consciente e estratégica. Ignorar a crise dos campi não é uma opção. Precisamos reconhecer que a universidade, como instituição, não é imune às mudanças sociais e tecnológicas que estão remodelando o mundo.
Além dos aspectos mencionados anteriormente, é impossível ignorar o impacto da localização dos campi no esvaziamento que estamos testemunhando. Em particular, os campi isolados, situados longe dos centros urbanos, perderam grande parte de sua dinâmica e de sua essência. Eles deixaram de ser ecossistemas vibrantes e autossustentáveis, ricos em atrações, interações e trocas, e passaram a ser meras estruturas físicas, desconectadas das realidades e necessidades do seu corpo discente.
A localização geográfica de um campus, que outrora podia ser um aspecto secundário, tornou-se um fator crucial. Os alunos estão cada vez menos dispostos a fazer longas viagens diárias ou a se afastar de seus centros de vida para frequentar a universidade. Eles procuram soluções de aprendizado que sejam compatíveis com suas vidas e que não exijam sacrifícios consideráveis.
A universidade, como instituição, precisa entender essa mudança e adaptar-se a ela. A integração com o ambiente urbano e a proximidade com as comunidades que servem se tornaram fatores essenciais para garantir a relevância e a atratividade de uma universidade. Se não abordarmos essa questão com a urgência que merece, corremos o risco de ver os nossos campi isolados tornarem-se ainda mais vazios e, finalmente, irrelevantes.
Diante dessa situação alarmante, o Porto Digital vai coordenar uma pesquisa de âmbito nacional para entender o que realmente se passa na cabeça dos estudantes. Queremos ouvir deles o que pensam sobre a situação atual e quais são suas expectativas para o futuro.
Nosso objetivo é abrir um debate sobre como as universidades podem traçar estratégias para mudar o jogo. Não podemos ficar parados assistindo ao esvaziamento dos campi. Vamos nos aprofundar nesse problema e buscar soluções juntos.
*Pierre Lucena é presidente do Porto Digital e professor de Finanças da UFPE
**Silvio Meira é presidente do Conselho do Porto Digital e professor Emérito do CIN-UFPE
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