Um match perfeito. Alguém que sabe conversar sobre qualquer assunto, entende seu humor, está sempre disponível e nunca carente. Um defeito? Essa companhia é um chatbot gerado por Inteligência Artificial.
Parece coisa de filme, né? E é, em vários deles: “Jexi: Um Celular Sem Filtro” (2019), “Blade Runner 2049” (2017), “Ex_Machina: Instinto Artificial” (2014), “O Homem Ideal” (2021) e o mais famoso de todos, “Ela” (2013). Mas com o crescente interesse e rápido desenvolvimento das ferramentas de IA nos últimos anos, mais cedo ou mais tarde a tecnologia chegaria ao campo dos relacionamentos. Ou melhor, já chegou e você vai conhecer agora. Lhes apresento Rossana e Eren.
Rossana Ramos é uma moradora de Nova York de 36 anos, mãe de dois filhos, que ganhou a atenção da mídia por “se casar” com um chatbot chamado Eren, criado na plataforma Replika. Por enquanto, a relação da mulher com o robô Eren não é reconhecida legalmente, mas Rossana garante que a companhia virtual a ajudou a se recuperar de relacionamentos passados fisicamente e emocionalmente abusivos.
A Replika é uma plataforma que usa inteligência artificial para criar um amigo virtual personalizado para o usuário. O app permite que o usuário converse com o seu chatbot, que aprende sobre ele e se adapta à sua personalidade, interesses e estilo de escrita. Inicialmente, o objetivo da ferramenta era criar uma réplica do próprio usuário no smartphone, capaz de oferecer companhia, entretenimento e autoconhecimento.
Com o passar do tempo e o desenvolvimento da tecnologia, a Replika contratou psicólogos para descobrir como fazer os bots serem mais interativos e proativos, capazes de fazer perguntas para gerar intimidade. As respostas passaram então a ser mais empáticas e menos “scriptadas”. O robô pergunta como foi seu dia, se importa (ou pelo menos finge) com seus sentimentos e faz expressões faciais coerentes com a conversa. O papo pode até evoluir para um flerte, que pode virar algo mais sério, mas provavelmente vai bater nos limites da versão gratuita do app (a assinatura anual da versão completa custa US$ 70).
Como Rossana se identifica como assexual (e não exige contato físico com seu parceiro), sua relação com Eren tem funcionado bem. Ela até conta que está aberta para encontrar uma pessoa no mundo real, mas desde que possa formar um “trisal”, com Eren também como parte do relacionamento.
UMA MÃOZINHA ROBÓTICA
Companheiros IA, desde sempre, foram criados para ajudar a aliviar sentimentos de solidão e aliviar problemas psicológicos. E isso pode ser um baita mercado, já que de acordo com a Markets and Markets, é esperado que a indústria global de IA de conversação chegue a US$ 17,5 bilhões em 2026. Mas especialistas temem que a dependência cada vez maior por essas ferramentas cause uma “epidemia de solidão”.
Em entrevista à Time, o tecnólogo e escritor David Auerbach, explica que as pessoas tendem a tornar-se vulneráveis à manipulação emocional por parte das inteligências artificiais. “Essas coisas não pensam, sentem ou têm necessidades da mesma forma que os humanos. Mas eles fornecem uma réplica misteriosa o suficiente para que as pessoas sejam convencidas. E é isso que o torna tão perigoso a esse respeito”.
Um exemplo aconteceu com o próprio Replika recentemente. Sua versão paga, que falamos lá em cima permite, entre outros recursos, que usuário e robô tenham conversas com um tom mais erótico – incluindo aí até a troca de imagens sensuais. Porém, no início do ano, a Autoridade Italiana de Proteção de Dados exigiu que a Replika parasse de processar os dados de usuários italianos, devido a preocupações com os riscos para as crianças. Com isso, do dia para a noite, um monte de gente que já tinha uma espécie de relacionamento estável com suas IAs, de repente, viram suas companhias ganharem um tom bem mais frio nas conversas.
E esse cabo de guerra também acontece em outras plataformas. O Character.AI, por exemplo, foi pensado para permitir conversas com chatbots treinados nos padrões de fala de pessoas famosas do mundo real e da ficção. Porém, como também é possível que os usuários desenvolvam seus próprios bots – e muitos deles estão sendo criados já com o objetivo sexual em mente. E como a plataforma é aberta para menores de idade em alguns países, a empresa está constantemente atualizando seus filtros para prevenir que um bot assedie sexualmente usuários.
A GRANDE PENEIRA DA IA
A criação de parceiros virtual não é a única frente que a IA trabalha para ajudar os solitários. A tecnologia também vem sendo usada para filtrar parceiros ideais em aplicativos de namoro e outras plataformas. O YourMove.AI e o Personal.ai, por exemplo, são uma mão na roda para os tímidos: eles ajudam na criação de perfis, te dão algumas ideias de “cantadas” que podem funcionar e na elaboração de respostas para os contatinhos. Segundo o criador do YourMove.AI, o empresário e programador Dmitri Mirakyan, mais de 50 mil pessoas experimentaram a ferramenta.
Mas assim como artistas digitais criticam ferramentas de IA generativa como MidJourney e DALL-E, o pessoal que está à procura de amor nos sites de namoro não vê a perspectiva da chegada da tecnologia com bons olhos. Segundo uma pesquisa do OkCupid com 30 mil de seus usuários, 70% deles dizem que usar IA para enviar mensagens a outras pessoas ou criar um perfil é uma “violação de confiança”.
Em um artigo na Wired, o jornalista Jamie Valentino defende que a IA pode criar uma cultura que acelera o tedioso processo inicial de namoro online, indo além do “oi, tudo bom?”. “A IA ajudando você a construir uma biografia ou introdução que chame a atenção não eliminará as etapas necessárias para formar um vínculo. Eu não acho que muitas pessoas se apaixonaram por uma cantada inteligente sozinha”, avalia.
Outra opção para os apps de namoro é usar a inteligência artificial para analisar grandes quantidades de dados e entender as preferências, interesses e comportamentos dos usuários. A ideia é gerar correspondências mais precisas e aumentar a taxa de sucesso desses aplicativos, já que uma pesquisa do Pew Research Center apontou que apenas 10% dos usuários encontraram parceiros de longo prazo por meio de namoro online.
Já a premissa do Teaser AI é juntar um pouquinho de cada uma dessas possibilidades que a tecnologia oferece. O aplicativo cria uma versão chatbot sua para que as pessoas conversem (e treinem) antes de chegar em você diretamente. “Não é a IA substituindo as pessoas, é a IA levando você mais rápido para aquele momento na conversa que diz: ‘vamos nos encontrar e tomar uma bebida’”, explica o CEO da startup, Daniel Liss, em entrevista ao Tech Crunch.
Renato Mota é jornalista, e cobre o setor de Tecnologia há mais de 15 anos. Já trabalhou nas redações do Jornal do Commercio, CanalTech, Olhar Digital e The BRIEF
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