Se dados são “o novo petróleo”, data centers são não só as novas torres de extração, como também as refinarias. À medida em que usuários e empresas passam pela transformação digital, e migram seus serviços para a nuvem, cresce a necessidade de um processamento eficaz dessas informações. E toda essa avalanche de dados tem que ir para algum lugar para ser armazenada, processada e distribuída.
Por isso, essas infraestruturas desempenham um papel crucial na economia digital. De acordo com a Statista, os gastos globais com sistemas de data center devem chegar a US$ 222 bilhões este ano, com mais de 8 mil data centers em funcionamento no mundo, sendo 700 deles em hiperescala. A computação em hiperescala é necessária para armazenamento em nuvem e big data, além de ser estratégica para aplicações que vêm aumentando vertiginosamente nossa demanda por processamento, como a implementação generalizada de inteligência artificial e as operações baseadas em blockchain.
Só em infraestrutura de IA (que inclui, além dos data centers, outros hardwares que suportam o uso dos aplicativos) os gastos no mercado global devem crescer 44% anualmente, chegando a US$ 422,55 bilhões até 2029, segundo a Data Bridge Market Research.
QUEM PAGA A CONTA?
Muito dinheiro, né? O problema é: essas instalações operam 24 horas por dia, sete dias por semana, o que resulta em uma demanda constante por eletricidade para alimentar servidores, sistemas de refrigeração e outras infraestruturas críticas.
Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA), os datacenters consumiram, em 2022, algo em torno de 240 a 340 TWh (o famoso terawatt-hora), o equivalente a 1,3% da demanda global de eletricidade e contribuindo para 0,3% de todas as emissões globais de CO2. Esse número, por exemplo, exclui a energia usada para mineração de criptomoeda, que foi estimada em cerca de 110 TWh no ano passado (0,4% da demanda global anual).
Mas preocupa a velocidade com que esse consumo de energia vem crescendo nos últimos anos, que varia entre 20% a 40%. De acordo com a IEA, “o uso combinado de eletricidade pela Amazon, Microsoft, Google e Meta mais que dobrou entre 2017 e 2021”. Um estudo combinou a lei de Moore e o avanço da Internet das Coisas para estimar que as necessidades de energia dos data centers podem subir para 752 TWh em 2030, cerca de 2,13% da eletricidade global disponível.
Em países menores, onde o mercado de data centers vem se expandido, o consumo de eletricidade por parte dos servidores já é altamente representativo. Na Irlanda, por exemplo, ele mais do que triplicou desde 2015, respondendo por 18% do consumo total do país no ano passado. Na Dinamarca, o uso de energia dos data centers está projetado para aumentar seis vezes até 2030, representando quase 15% do uso de eletricidade do país.
Esse alto consumo tem, inclusive, impedido o investimento em novos data centers. No ano passado, a Meta suspendeu seus planos de construir um grande centro de dados na Holanda devido à crescente oposição do governo e da comunidade local. Apesar do plano original ter sido aprovado, mudanças na política local e preocupações com o impacto ambiental e as metas nacionais de sustentabilidade levaram a objeções de parlamentares e de organizações da sociedade civil.
Meses depois, Microsoft e Amazon suspenderam as expansões planejadas para seus data centers na Irlanda, avaliadas em 2 bilhões de euros. A escassez de energia na região e uma moratória em novas conexões de rede impostas pela concessionária de energia elétrica estatal jogaram água no chopp das big techs.
SAUNAS DIGITAIS
Além disso, os data centers geram calor excessivo devido à operação contínua dos servidores. Para manter a temperatura adequada, sistemas de resfriamento são empregados, muitas vezes utilizando refrigeração líquida ou ar condicionado, o que também consome uma quantidade significativa de energia. Esse ciclo de geração de calor e resfriamento pode resultar em um ciclo vicioso de consumo energético.
Em julho passado, uma onda de calor sem precedentes na Europa fez com que as temperaturas chegassem a 40,3ºC em partes do Reino Unido, o que danificou a infraestrutura de dados de várias empresas. Mais notadamente, várias fazendas de servidores do Google e da Oracle não conseguiram manter a temperatura ideal para continuar funcionando e ficaram temporariamente offline.
A Oracle culpou “temperaturas excepcionalmente altas na região sul do Reino Unido (Londres)” por interrupções que se estenderam das 13h, horário local, na terça-feira, 19 de julho, às 11h da manhã do dia seguinte. De acordo com o relatório da empresa, unidades de resfriamento foram forçadas além de seus limites e falharam, causando um desligamento de proteção da infraestrutura de computação. Por volta das 18h30 do mesmo dia, o Google observou “várias falhas simultâneas em nossos sistemas de refrigeração redundantes” que resultaram em interrupções que variaram de menos de um dia a mais de 36 horas.
Em entrevista à WIRED, Jon Healy que trabalha para a consultoria de data centers britânica Keysource, explicou que os sistemas de refrigeração dos servidores são projetados para uma temperatura externa máxima de 32 graus. E como os custos de construção de data centers aumentaram em quase todos os mercados nos últimos anos, as construtoras são aconselhadas a manter os custos baixos, além de usarem informações meteorológicas históricas ultrapassadas.
LIGA O AR (POR FAVOR)
De acordo com o Aspen Global Change Institute, no ano de 2014, cerca de 43% da eletricidade consumida pelos data centers foi para sistemas de refrigeração e fornecimento de energia. E isso foi na década passada, quando sentíamos menos os efeitos da crise climática induzida pelo homem. Alguns dos maiores data centers do mundo podem conter dezenas de milhares de dispositivos de TI e exigem mais de 100 megawatts de capacidade de energia, o suficiente para abastecer cerca de 80 mil residências.
E como tudo no mundo, o resfriamento de data center é um negócio – e dos bons. De acordo com a Arizton, essa indústria recebeu US$ 8,73 bilhões em investimentos no ano passado, e pode chegar a US$ 12,64 bilhões até 2028, crescendo 6,36% ao ano.
Tecnologias emergentes como resfriamento geotérmico e solar ou recuperação de calor têm o potencial de compensar custos, mas carecem de mais desenvolvimento. O modelo de resfriamento geotérmico usa a temperatura quase constante abaixo do nível da superfície da Terra para fornecer resfriamento. É uma ideia antiga usada para manter a comida fria há séculos, e em data centers usa um sistema de tubulação de circuito fechado com água ou outro elemento refrigerante que passa por poços verticais subterrâneos, preenchidos com um líquido de transferência de calor.
Já o resfriamento solar coleta energia de painéis solares e usa um processo de resfriamento acionado termicamente para diminuir a temperatura do ar em um edifício. Isso é útil em áreas com muita luz solar ou data centers que procuram complementar seu resfriamento atual com um método mais ecológico, assim como o método de recuperação de calor, que em vez de usar eletricidade para resfriar os servidores, usa a alta temperatura para custear a necessidade de energia em outros lugares.
COMPRA-SE CALOR
Outra opção é tentar fazer dinheiro com isso. A Amazon usa esse calor reciclado de um data center na Irlanda para fornecer calor a um distrito em Dublin, na Irlanda. O sistema atende 47.000 m2 de edifícios do setor público, 3.000 m2 de espaço comercial e 135 moradias de baixo custo. De acordo com a companhia, o projeto economiza 1.500 toneladas de carbono por ano – o equivalente a uma redução de 60% nas emissões de carbono.
A Meta faz algo parecido na Dinamarca. O data center de Odense doa anualmente 100 mil MWh de energia dos seus servidores — o suficiente para aquecer 6.900 residências. Esse sistema aquece um hospital local e milhares de outros edifícios na comunidade vizinha, enquanto o próprio data center é alimentado por uma rede eólica. No mesmo país, a Apple está expandindo seu centro em Viborg, onde planeja usar o calor para aquecer a água que será bombeada para as residências na cidade, a mais ou menos 30°C.
Na Suécia, a iniciativa partiu do poder público. O Stockholm Data Parks, uma iniciativa da prefeitura cidade de Estocolmo, quer atrair para a cidade data centers de grande escala e torná-los mais sustentáveis. O projeto incorpora o calor residual dos servidores no sistema de aquecimento da cidade. Água fria é usada para resfriar os servidores, e a água aquecida resultante é redirecionada para aquecer as residências. O objetivo de longo prazo é atender a 10% de toda a necessidade de aquecimento da capital sueca até 2035.
Irlanda, Dinamarca, Suécia… O fato de que a maioria desses data centers estarem em locais mais frios não é coincidência; as empresas de tecnologia preferem esses locais, pois é preciso menos energia para manter o sistema refrigerado. Usar o excesso de calor para aquecer os edifícios circundantes acaba sendo uma solução até lucrativa.
ATÉ DEBAIXO D’ÁGUA
Outras empresas estão testando algumas maneiras incomuns de enfrentar esse desafio: entre 2018 e 2020, a Microsoft executou o Projeto Natick, que afundou um data center 35 metros abaixo do mar na costa da Escócia para isolá-lo de flutuações de temperatura.
Project Natick
“A equipe levantou a hipótese de que um contêiner lacrado no fundo do oceano poderia fornecer maneiras de melhorar a confiabilidade geral dos datacenters”, explica a empresa. Embaixo d’água, os servidores são poupados de corrosão por oxigênio e umidade, flutuações de temperatura e até empurrões de pessoas que substituem componentes quebrados.
Recentemente, a empresa anunciou que pretende expandir o Projeto Natick. A próxima fase utilizará racks maiores, que serão colocados até 200 metros abaixo do nível do mar, e serão alimentados por energia renovável gerada pelas marés e correntes. Técnicas de resfriamento de maior eficiência também aumentam o tempo de vida útil desses equipamentos.
Como explica o analista da Gartner Philip Dawson, empresas provedoras de serviços na nuvem estão estendendo os ciclos de vida da infraestrutura de 3 a 5 anos e de 5 a 7 anos para reduzir os custos vinculados à atualização. “O preço do gás natural aumentou 700% desde meados de 2020, por isso é fundamental que os líderes identifiquem onde e como a infraestrutura do data center pode ser otimizada para consumir menos energia, sem prejudicar as operações comerciais necessárias”, completa.
Renato Mota é jornalista, e cobre o setor de Tecnologia há mais de 15 anos. Já trabalhou nas redações do Jornal do Commercio, CanalTech, Olhar Digital e The BRIEF
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