“Continuam muito frequentadas as sessões do Cinema Pathé, na rua Barão da Vitória. Nas sessões de ontem à noite, compareceram muitas distintas famílias do nosso escol social. As vistas agradam muito”.
O trecho, publicado na edição de 12 de agosto de 1909 do Diario de Pernambuco, comentava a movimentação do primeiro cinema de rua da capital pernambucana, inaugurado dois meses antes da publicação. Era um registro de um novo hábito cultural e social que havia chegado para ficar na cidade.
O Pathé tinha 320 assentos, com camarote para autoridades. Os filmes exibidos vinham da Pathé-Frères (justificando o nome do local). Menos de quatro meses depois, surgiu um novo cinema: o Royal, também na Rua Nova e pertencente à empresa Ramos & Cia. Ambos cinemas passaram a disputar o público. O primeiro com oito filmes; o segundo com sete.
“Com o novo estabelecimento [Royal] e o Pathé no Recife, a população já encontra, comodamente, locais oferecendo instrutivas diversões, concorrendo para dar um tom de alegria e movimentação à bela Veneza, ainda tão pobre de distrações desse gênero”, registrou o jornal, em 7 de novembro de 1909.
Esses dois cinemas exibiram muitos dos filmes do chamado “Ciclo do Recife”, um dos mais movimentados circuitos de cinema mudo do Brasil. Lançamentos como “Retribuição”, “Jurando Vingar”, “Aitaré da Praia” e “A Filha do Advogado” passaram no Royal, que era enfeitado com bandeiras e contava com bandas de música para o público.
Ainda nesses primeiros anos, tivemos o Helvética (Rua da Imperatriz, Boa Vista, em 1910); o Polytheama (Rua Barão de São Borja, Boa Vista, em 1911); e até um cinema ao ar livre chamado Siri, que funcionava na Praça da Independência. Ele projetava anúncios e filmes de um sobrado para uma tela, mas foi fechado pelo governo Dantas Barreto (1911 – 1915).
Teatros que viraram cinema
Com a popularidade dessa nova diversão, logo espaços teatrais também passaram a incorporar estruturas de projeção para atrair público. Um exemplo emblemático é o Moderno, que foi inaugurado em 1913 como um teatro, mas ganhou cinema em 1915.
Ele ficava na Praça Joaquim Nabuco e basicamente atravessou o século como cinema: fechou apenas em 1996, depois de 83 anos. Em 1955, estreou um sistema mais arrojado, com tela maior e sistema de som amplificado, com o filme “O Manto Sagrado”.
Outro exemplo é o Teatro do Parque, construído na Rua do Hospício em 1915, passando a funcionar como cinema apenas em 1921. Na história do Parque está um cearense bastante importante para as salas de exibição do Recife: Luiz Severiano Ribeiro, que arrendou a empresa em 1929 e inaugurou o cinema sonoro no Recife, em 1930, com o filme “A Divina Dama”.
“O mais luxuoso e confortável cinema do Norte do Brasil, com instalações da Western Eletric para filmes sonoros e falados”, dizia o anúncio do cineteatro nos jornais. O Parque chegou aos nossos dias, tendo sido reformado durante 10 anos e reaberto em 2021.
Porém, um caso menos conhecido de teatro usado como cinema é o do Teatro Santa Isabel. A partir de 1913, esse importante prédio funcionou como cinema, sendo considerado o melhor de sua época. “Grandioso e maravilhoso cinematographo: o mais importante na América do Sul”, dizia os anúncios no jornal, entre 1913 e 1914.
Um dos anúncios trazia como atração “O mistério de Silver Blaze”, um “drama retirado do célebre romance de mesmo nome, seguindo as popularíssimas novelas do notável escritor inglês Sir. Conan Doyle. Filme da série de Aventuras Policiais do afamado Detetive Sherlock Holmes”.
Assim encerrava: “A projeção do Teatro Santa Isabel é a mais clara, fixa e nítida de todos os cinemas desta cidade. O aparelho é dos mais modernos e aperfeiçoados, completamente novo. O cinema é o único que oferece comodidade e conforto aos seus frequentadores, na plateia, nos espaçosos camarotes e no próprio paraíso. Garantia em caso de incêndio, o que muitos cinemas de Pernambuco não oferecem. O Cinema Santa Isabel tem a melhor orquestra do Recife”.
Cortados pelo Capibaribe
Quando se pensa em “cinemas de rua do Recife”, no entanto, costuma-se lembrar mais daqueles que ficavam entre Santo Antônio e a Boa Vista, separados pela Ponte Duarte Coelho: Art Palácio, Trianon, Veneza e São Luiz. Essa “leva” começa na década de 1940.
O Art Palácio ficava na Rua da Palma, na esquina com a Matias de Albuquerque. Estreou em 10 de março de 1940, com o filme “Noite Andaluzas”, de Florián Rey. “Possui decoração sóbria e é iluminado pelo sistema indireto. Cumpre, porém, destacar, entre os grandes melhoramentos adaptados, a projeção que oferece a última palavra em matéria visual. Em seguida, é digna de menção a aparelhagem sonora que transmite o som de maneira mais natural”, registrou o Diario, no dia da abertura.
“Esse é um cinema que casa com os foros de cidade progressista que é o Recife. Estão de parabéns os seus habitantes e os animadores desse empreendimento, que corresponde aos anseios de maior progresso desta capital”, disse o prefeito Novaes Filho, na ocasião.
O Trianon ficava no mesmo prédio, tendo inauguração em 1944, dentro do contexto de ocupação da então nova Avenida 10 de Novembro (futura Avenida Guararapes). Ele tinha lotação de 1.400 poltronas, com aparelho de ar condicionado de última geração que até então só existia em cinemas do Rio de Janeiro, São Paulo e Buenos Aires. O primeiro foi “E O Amor Voltou”.
“A nova casa de espetáculos, segundo informações que nos foram transmitidas pelo representante nesta cidade Ugo Sorrentino, disporá das mais modernas instalações, podendo-se afirmar que em nada ficará a dever aos melhores cinemas do sul do país”, informou o Diario em 10 de setembro daquele ano.
Painéis magistrais
O São Luiz surgiu em setembro de 1952, sendo um investimento do grupo de Luiz Severiano Ribeiro. Assim registrou a coluna “Coisas da Cidade” sobre o seu vitral, um ano antes da inauguração: “O belo painel que projetou à entrada do Cinema reflete um panorama do Recife; e evoca o seu passado, com as torres de suas igrejas, as cumieiras de seus velhos sobrados, os seus maracatus, os seus frevos, as suas cenas de carnaval. Tudo é uma festa para os olhos, repassado de tons doces e ternos. Quase como uma poesia simbólica.”
Cinemas mais recentes como o Veneza, na Rua do Hospício e o Astor e o Ritz, localizados próximos ao Parque 13 de Maio, também tiveram sua época na cidade e também fecharam suas portas.
Até o final dos anos 1960, existiriam cerca de 100 cinemas em Pernambuco, sendo 28 apenas no Recife. A popularização do televisor e, posteriormente, a migração das salas para a Zona Sul contribuíram para o enfraquecimento dos negócios. Das citadas no texto, apenas duas salas seguem funcionando: o Parque e o São Luiz (em reforma), ambos administrados pelo Poder Público.
Desde os anos 1990, a cidade também vem ganhando salas da Fundação Joaquim Nabuco, instituição do Governo Federal: a do Derby – área central do Recife -, a do Cinema do Museu, na Zona Norte, e, mais recentemente, a do Porto, que fica no topo do prédio do Núcleo de Gestão do Porto Digital, no Bairro do Recife.
Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio
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