Centro Espacial Satish Dhawan em Sriharikota Índia
Lançamento da missão Chandrayaan-3 do Centro Espacial Satish Dhawan em Sriharikota, Índia, no topo do veículo de lançamento de médio porte Mark- Foguete III (LVM3). IRSO/Divulgação

No dia 23 de agosto de 2023 (mais conhecido como “quarta-feira passada”), a Índia entrou para a história da exploração espacial: tornou-se o quarto País a pousar, com sucesso, um veículo na superfície da Lua. Mais ainda, foi o primeiro a fazê-lo no polo sul lunar, uma região inexplorada e de alto interesse científico. Uma imensa conquista para o País. 

No espectro oposto, um dia antes (22/08), o Brasil lembrava os 20 anos do maior desastre da história do Programa Espacial Brasileiro, a explosão no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), localizado no Estado do Maranhão.

O incidente envolveu o foguete VLS-1 (Veículo Lançador de Satélites), que estava sendo preparado para um lançamento experimental. Infelizmente, uma série de eventos trágicos resultou na explosão do foguete no solo, causando a morte de 21 profissionais civis que estavam envolvidos na operação.

acidente de alcântara
Registro do incidente no Centro de Lançamento de Alcântara, ocorrido há 20 anos, no Maranhão

COMPARANDO BRASIL E ÍNDIA

Como o sucesso da Índia e a tragédia brasileira se relacionam? Os dois países emergentes fazem parte do mesmo bloco, o BRICS, e lançaram seus programas espaciais com um ano de diferença. O Brasil foi o primeiro, em 1961, com a criação do grupo de organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais pelo então presidente Jânio Quadros. A Índia começou em 1962, com a criação do Comitê Nacional Indiano para Pesquisa Espacial (INCOSPAR), que depois foi renomeado para Organização Indiana de Pesquisa Espacial (ISRO). Desde então, os dois projetos tomaram rumos bem diferentes.

O maior diferencial da ISRO foi transformar a Índia numa potência espacial com um orçamento que é apenas uma fração do que países estabelecidos, como EUA e a Rússia, gastam. O primeiro satélite indiano, o Aryabhata, foi lançado pelos russos em 1975, a um custo de cerca de US$ 4 milhões.  A missão Chandrayaan-3, que realizou o pouso na Lua, custou cerca de US$ 80 milhões, enquanto a anterior, Chandrayaan-2, custou US$ 140 milhões. A primeira missão lunar indiana, Chandrayaan-1, custou em torno de US$ 79 milhões.

Quinta maior economia do mundo, a Índia destina US$ 1,5 bilhões do seu orçamento para o Departamento do Espaço, que inclui a ISRO, contra US$ 25 bilhões da NASA (com uma previsão de gastos na ordem de US$ 93 bilhões com o programa lunar Artemis) ou os US$ 10 bilhões estimados pelo programa espacial chinês. A Rússia, que competia com os norte-americanos na exploração espacial, redirecionou seu foco para a guerra contra a Ucrânia. Não à toa, duas semanas antes do Chandrayaan-3, a missão russa Luna-25 falhou tentando cumprir exatamente o mesmo objetivo dos indianos.

O desenvolvimento da tecnologia e o estabelecimento de metas específicas permitiram gradualmente à Índia manter as despesas baixas. Por exemplo, a missão indiana a Marte em 2014 manteve a sua carga útil pequena, utilizando um foguete menor e custando cerca de US$ 70 milhões. Em comparação, a missão Maven, lançada pela NASA no mesmo ano (e muito mais extensa, justiça seja feita), consumiu US$ 671 milhões dos cofres do Tio Sam.

A Chandrayaan-3 também usou um foguete menor e percorreu uma rota mais longa, girando ao redor da Terra para economizar combustível e dinheiro. A economia na ISRO estende-se ainda aos salários, uma vez que conta com uma força de trabalho de cerca de 19 mil pessoas, um quarto dos quais são cientistas, e o seu presidente ganha cerca de US$ 2.700 por mês.

A ideia é também fazer dinheiro com a exploração do espaço. O País abriu o seu setor espacial a empresas privadas, na esperança de atrair financiamento de companhias como a SpaceX e a Virgin Galactic. A indústria espacial privada da Índia, avaliada em US$ 6 bilhões e com mais de 140 empresas registradas, deve triplicar nos próximos dois anos. E explorar o polo sul da Lua entra nessa conta, uma vez que a região possui gelo, que transformado em água pode ser usado para apoiar assentamentos humanos ou produzir combustível para foguetes, estabelecendo o satélite como uma plataforma para missões mais longas, como Marte.

A utilização de recursos “in-situ” é uma área da indústria espacial com muito potencial. A Blue Origin, empresa de Jeff Bezos, assinou há pouco tempo um contrato com a NASA no valor de US$ 35 milhões para desenvolver células solares a partir do regolito lunar. 

A Índia tem planos ambiciosos para o futuro da exploração espacial. Está preparando uma exploração lunar conjunta com o Japão, fornecendo o módulo de pouso, na mesma região onde o Chandrayaan-3. O País pretende enviar uma missão tripulada ao espaço na missão Gaganyaan, com três astronautas. O projeto, entretanto, enfrentou atrasos e está sem data de lançamento anunciada.

Antes de enviar astronautas, a ISRO se prepara para a missão Aditya-L1, prevista para setembro, para estudar as várias camadas do Sol usando detectores eletromagnéticos e de partículas. A missão colaborativa NASA-ISRO Synthetic Aperture Radar (NISAR) está programada para ser lançada no próximo ano, irá monitorar mudanças na terra e nas superfícies de gelo da Terra a partir da órbita.

E A EXPLORAÇÃO ESPACIAL NO BRASIL? 

O desastre em Alcântara teve um impacto significativo no Programa Espacial Brasileiro. Além da perda de vidas humanas, a explosão resultou na destruição da plataforma de lançamento e de equipamentos importantes. Isso causou atrasos significativos nos planos espaciais do Brasil, prejudicando o desenvolvimento de tecnologias de lançamento e exploração espacial.

As causas específicas do acidente foram investigadas pelo governo brasileiro e por especialistas internacionais. Ficou evidente que uma combinação de problemas técnicos e falhas no sistema de segurança contribuiu para a tragédia. Entre os principais problemas identificados estavam a inadequada análise de riscos, deficiências na estrutura de gestão do programa espacial e problemas na cultura de segurança.

Após o acidente, houve uma reavaliação completa dos procedimentos de segurança e gestão do programa espacial brasileiro. Medidas foram implementadas para melhorar a cultura de segurança, análise de riscos e procedimentos de operação. O governo também buscou cooperação internacional para fortalecer a capacidade técnica do País no campo da exploração espacial.

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Centro de Lançamento de Alcântara (Warley de Andrade/TV Brasil)

Um dos principais desafios enfrentados pelo programa espacial brasileiro é a falta de investimentos. Enquanto o Departamento do Espaço indiano conta com seus (já modestos) US$ 1,5 bilhões do governo, a Agência Espacial Brasileira tem um orçamento para 2023 previsto em R$ 170,65 milhões – dos quais, apenas R$ 17,7 milhões foram executados (lembrando, estamos no fim de agosto). Desse montante, R$ 15 milhões cobriram despesas com a administração geral, mas nada dos R$ 131 milhões separados para investimento em desenvolvimento tecnológico e engenharia foi utilizado

Do que foi estabelecido como meta para o programa espacial brasileiro, só a construção do satélite de monitoramento Amazônia-1 foi cumprida. O equipamento foi lançado em 2021, justamente do Centro de Lançamento Satish Dhawan Space Centre, na Índia, e está agora em órbita a uma altitude média de 752 km acima da Terra.

O satélite fornece imagens para monitorar a região costeira, reservatórios de água e desastres ambientais no País, e faz parte da Missão Amazônia, que visa a observação e monitoramento da região amazônica, agricultura, reservatórios de água e florestas, com possibilidade de detecção de desastres ambientais. 

Após o acidente, medidas de segurança foram reforçadas na Base de Alcântara, incluindo a construção de uma nova plataforma de lançamento, inaugurada em 2012. Novos testes de foguetes foram realizados, com destaque para o lançamento bem-sucedido do foguete sul-coreano HANBIT-TLV em março deste ano, realizado sob um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) assinado pelo Governo Federal em 2019.

O acordo permitiu a colaboração com empresas privadas, como a sul-coreana Innospace, para utilização comercial do Centro de Lançamento de Alcântara. O AST protege as tecnologias envolvidas, garantindo que o território de Alcântara permaneça sob jurisdição brasileira.

Renato Mota é jornalista, e cobre o setor de Tecnologia há mais de 15 anos. Já trabalhou nas redações do Jornal do Commercio, CanalTech, Olhar Digital e The BRIEF

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