A decisão da Prefeitura de Nova York de proibir aluguéis curtos atinge diretamente as plataformas que modelaram este negócio, especialmente Airbnb e Booking.com.
Obviamente soa estranho porque o país sempre privilegiou a liberdade econômica individual em detrimento de preocupações coletivas. Mas a questão central é muito mais complexa do que isto. O mercado imobiliário carrega alguns componentes que necessariamente precisam de regulação, sob pena de desmobilização e deterioração de áreas por falta de planejamento e organização. O custo social da falta de regulação é muito elevado.
Se por um lado a rentabilização de aluguéis de curto prazo ajudou a recuperar áreas históricas na Europa, por outro inicia um processo de gentrificação que pode tornar o lugar um “espaço sem alma” que não se reverte após a localização “sair da moda”. Algo parecido com o que já aconteceu no litoral de Pernambuco em algumas praias.
O exemplo mais extremo desta transformação de locais turísticos em cidade fantasma é San Gimignano na Itália. A cidade simplesmente não tem moradores. Parece uma cidade cenográfica. Mas alguns bairros históricos de Lisboa podem sofrer a mesma transformação, como Alfama. Por aqui o problema não existe porque nossos bairros centrais já foram abandonados naturalmente e o turismo não é nosso forte. Seria uma “bênção” se investidores chineses ou mesmo locais resolvessem comprar nossos prédios no centro para retrofitarem. Aqui sofremos do problema de falta de interesse completo pela deterioração das ruas e espaços públicos.
Além dos impactos já mencionados, há outra perspectiva que vale a pena ser analisada: o efeito sobre a economia local. O turismo é um dos pilares econômicos de muitas cidades. Quando plataformas como Airbnb crescem em popularidade, elas oferecem uma maneira alternativa e muitas vezes mais acessível para os turistas se hospedarem. Embora isso possa parecer positivo à primeira vista, o influxo massivo de turistas que optam por acomodações de curto prazo pode reduzir a demanda por hotéis e outros estabelecimentos tradicionais. Este deslocamento econômico pode resultar na perda de empregos no setor hoteleiro, bem como em outras áreas que se beneficiam do turismo convencional.
Além disso, o tecido social de uma comunidade é profundamente afetado quando as moradias são frequentemente trocadas entre turistas. As relações de vizinhança, que são cruciais para a construção de comunidades coesas e seguras, são enfraquecidas, já que os residentes de longa data encontram-se rodeados por um fluxo constante de estranhos. Esse sentimento de deslocamento e falta de pertencimento pode levar a um menor engajamento comunitário, onde os residentes podem sentir menos inclinação em investir tempo e energia em melhorias locais, já que a natureza transitória da população torna difícil estabelecer laços duradouros. Portanto, o desafio está não apenas em equilibrar a economia local e os direitos de propriedade, mas também em preservar o sentido de comunidade e pertencimento que faz de um bairro mais do que apenas um local para dormir.
O certo é que se esta medida sofrer um efeito cascata por outras cidades turísticas, o preço do metro quadrado pode diminuir, trazendo vida normal para áreas que foram recuperadas.
O difícil será encontrar algum equilíbrio entre gentrificação e deterioração.
Pierre Lucena é presidente do Porto Digital e professor de Finanças da UFPE
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