No início, a ideia parecia incrível. Ao invés de pagar uma pequena fortuna por um pacote de canal a cabo (dos quais, muito pouco você curtia mesmo), você poderia assinar um único serviço de streaming, com um catálogo incrível de produções novas e antigas, e assistir o que quiser, na hora que quiser, por uma fração do preço.

A Netflix foi a pioneira no mercado de streaming. Migrou de um negócio de aluguel de DVDs por assinatura, com a possibilidade de assistir alguns títulos via web como brinde, para uma das maiores empresas da indústria do entretenimento. E logo o olho cresceu, e todos os outros estúdios, distribuidoras, produtoras e até big techs queriam uma fatia desse mercado. 

Na pandemia, vimos o boom do streaming, com cada marca lançando seu próprio aplicativo, com um catálogo exclusivo

Na pandemia, vimos o boom do streaming, com cada marca lançando seu próprio aplicativo, com um catálogo exclusivo. Agora, para ter acesso às melhores séries e filmes, era necessário assinar mais de uma plataforma, que na soma já estavam pau a pau com os pacotes da TV a Cabo.

Logo, o crescimento do número de assinantes diminuiu e as plataformas se viram obrigadas a subir os preços, incluir opções de transmissão com propagandas e até impedir que clientes compartilhassem suas senhas, tudo para poder não fechar no vermelho. E tudo voltou a ser como antes, só que pior.

O modelo de negócios, porém, já dava pistas de que era insustentável lá no início. Alguns executivos como o CEO da Disney, Bob Iger, e da sua contraparte na Warner Bros. Discovery, David Zaslav, já declararam que seus streamings, inicialmente, tinham preços “muito baixos” para poder atrair usuários. Quando a quantidade mensal de assinantes passa a ser sua principal métrica, substituindo a bilheteria e a audiência, a medida do que é um “hit” e o que é um “flop” fica mais nublada. 

Novas produções são criadas e canceladas na velocidade da luz, sem nem tempo de formar uma fanbase que a sustente por mais tempo. Para economizar com royalties e hospedagem no servidor, shows com pouca audiência são removidos do catálogo – e alguns que nunca foram lançados em mídia física simplesmente deixam de existir. Um exemplo é o longa de ficção científica teen ‘A Cratera’, que custou US$ 53 milhões à Disney e saiu do catálogo do streaming depois de dois meses – para nunca mais voltar.

A Cratera, da Disney+: quem viu, viu. (Disney/Divulgação)

Muitas plataformas reivindicaram direitos exclusivos de streaming, para impulsionar seus próprios serviços, o que torna o acesso a esse conteúdo mais difícil, especialmente para quem não está disposto a assinar todas de uma vez. O cenário do streaming ficou complicado e fragmentado. 

A CRISE DO STREAMING, CLARO, IMPACTOU OS EMPREGOS

Complicado, fragmentado e precarizado. A atual greve dos atores e roteiristas de Hollywood, que se arrasta desde maio, tem no streaming uma das suas principais reivindicações. Com cada vez mais shows nascendo e morrendo, os artistas também recebem menos dinheiro, e de forma menos consistente do que antes.

Nesse caso, não estamos falando das celebridades e dos grandes nomes, mas de atores, atrizes, figurantes, roteiristas, diretores, figurinistas e toda gente que forma a base da pirâmide da indústria do entretenimento.  

Em um post no The Ankler, Alena Smith, que é showrunner da série ‘Dickinson’, da Apple TV+, resumiu tudo: “em sua corrida louca para sair do abismo digital, essas empresas transformaram Hollywood de uma indústria de altos salários, altos lucros e movida por sucessos, em uma indústria de baixos salários, baixo lucro e movida por assinaturas”.

Do outro lado do balcão, acionistas dessas empresas exigem mais lucros, e com a desaceleração do número de assinantes, os estúdios respondem a essa pressão comprimindo a mão-de-obra. 

E muito da demanda dos grevistas tem a ver com o que os norte-americanos chamam de “residuals”, que é o dinheiro residual que os artistas recebem quando uma produção na qual eles trabalharam é reexibida em alguma reprise. Na época da TV isso era mais fácil: eles recebiam o salário na época que o show estava no ar, e a cada reprise (ou quando a produção mudava de dono), uma porcentagem lhes era enviada.

Escritório da Netflix em Los Angeles – Crédito: Divulgação

No streaming, como isso poderia ser feito? Um valor a cada “play”, como fazem as plataformas de música? E se as empresas não divulgam seus números de audiência (como não o fazem), como controlar esse repasse? Ou deve-se calcular o número de assinantes que um determinado projeto trouxe para a plataforma?

O aumento nesse repasse está na pauta tanto do Sindicato dos Roteristas (WGA), quanto do Sindicato dos Atores (SAG), que reivindicam um aumento mínimo de 11% nos residuais no primeiro ano de reprise, e 4% em cada um dos anos seguintes.

Para quem acha que o artista de Hollywood médio ganha fortunas, aí vai um susto: dia desses, a Kimiko Glenn, que fez a Brook Soso em ‘Orange Is the New Black’, compartilhou nas redes sociais seu cheque residual por sua participação. Um total de US$ 27,30.

A atriz Kimiko Glenn, que na série Orange Is the New Black era a personagem Brook Soso, mostrou a realidade de Hollywood

Ou seja, promessas quebradas por todos os lados. Acesso fácil e conveniente aos seus filmes e séries favoritos? Não tem mais. Maior demanda por projetos criativos para artistas e mais financiamentos? Virou precarização. Estúdios podendo eliminar intermediários, como as empresas de TV a cabo e distribuidoras, e chegar mais rapidamente ao público final? Os próprios streamings se tornaram barreiras.

Renato Mota é jornalista, e cobre o setor de Tecnologia há mais de 15 anos. Já trabalhou nas redações do Jornal do Commercio, CanalTech, Olhar Digital e The BRIEF

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