A história desbravadora de DJ Big na música, iniciada de forma autodidata aos 12 anos, parece ser o lastro de vivência para cada resposta que o artista e ativista social dá sem pensar duas vezes. “Eu vim aqui quebrar padrões até onde eu puder quebrar”, diz, ao resumir seu compromisso com a abertura de espaços para pessoas negras, sem oportunidades ou oriundas das margens da sociedade recifense. Gente da periferia, como ele.
As respostas de Big transparecem autenticidade e têm a consciência social como protagonista. “Não, não. Eu não fui só convidado a participar do REC’n’Play. Eu briguei por todo esse espaço desde a primeira edição. É uma conquista minha e de muitos e cada dia temos conquistado mais”, afirma ele.
Este foi o princípio de uma análise histórica que desembocou para uma avaliação sobre a conquista do festival: “Hoje é muito notório você ver a paridade, inclusive nos palcos e na escolha dos curadores”, frisa, abrindo a guarda para um tom elogioso, com notas de conquista coletiva sobre questões sociais e raciais.
Longe de ser um pensamento improvisado, a fala de DJ Big é de alguém que maturou ideias e tem desenvoltura para defender aquilo que acredita: “Eu ficava indignado. Pensava: ‘Velho, como é que a gente tem um evento que a gente não vê a cidade negra, a cidade pobre, a cidade das favelas, aqui inserida para aprender também e ter ideia do que é uma startup? Para entender a linguagem digital, para saber o que é um Hackathon?”, provoca, falando daquelas maratonas em que o desafio é criar inovações e buscar soluções ainda não conhecidas. “Isso precisava mudar”, frisa ele.
DJ Big conta que, “como filho de Xangô”, chega com a mesma autonomia desse orixá, dizendo que é preciso ser líder, mudar, transformar. “E ser, acima de tudo, justo”. E a justiça, para ele, passa pela sensibilidade ao se entender aquilo que é necessário para um povo de periferia, para um povo negro e estigmatizado.
Porque, com a abertura de espaços para a periferia, é possível ver transformações mais substanciais. “Não se pode pegar um cara que tem conhecimento, que vem blindado na vida desde o berço, aquele menino que completou três anos fazendo aula de inglês e com quatro está com tablet na mão, e comparar este cara a outros, de perfis diferentes, da favela, por exemplo. Esse menino blindado tem muito mais condições do que os meninos da periferia de se tornar gerente, coordenador de projetos e outros profissionais”, pontua.
Ou seja, frisa, defender ou ver, como foi o caso do Festival deste ano, o uso do dinheiro público ou da iniciativa privada voltado para quem precisa é questão de direito a ser defendido e algo a ser comemorado. Big tem sido norteado por este lema. “A periferia precisa ter espaço para troca de ideias. Lutei muito para que coisas assim acontecessem, ainda precisam ser ponderadas, acrescentadas, mas já vejo algo e continuo brigando por isto”.
O que o artista levou para suas conversas no REC’n’Play com os participantes das mesas e oficinas é uma sequência do que ele tem feito desde os anos 90, quando ainda era um moleque. Entre os temas das mesas promovidas durante o festival, estavam estratégias para articulação de integrantes do Movimento Hip Hop na relação com governos; envolvimento e participação do setor na elaboração de proposta para editais públicos de cultura; além de uma conferência livre para discussão de pontos sensíveis para a classe.
Big defende o Hip Hop, as políticas públicas para o segmento e as batalhas de MCs, movimento cultural que é desenvolvido nas comunidades como forma de diálogo e integração entre diferentes. Primeiro, se conversa, se fomenta, depois vem a diversão.
Mais de uma dezena de periferias se enfrentando na música e centenas de pessoas na torcida. Há pouco tempo, fez uma dessas com o indefectível carrinho e caixa de som para uma edição do Boca no Trombone, no bairro de Água Fria.
As batalhas acontecem no palco no REC’n’Play. “E, quando olham diferente para mim pensando ‘pô, ele tem até palco, eu digo: ‘não, minha gente, a periferia tem um palco (…) e a gente precisa desses espaços para poder trocar informações, fazer propagar essa informação, fornecer essa informação para quem não tem”, afirma. A luta de Big é no sentido de transformar vidas que precisam ser transformadas; não transformar quem já tem a vida transformada. “Por isso, vejo como um aprendizado quando a gente vem e dialoga junto com a equipe do REC’n’Play”.
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Silvia Bessa é jornalista. Gosta de revelar histórias que se escondem na simplicidade do cotidiano. Venceu três vezes o Prêmio Esso e tem quatro livros publicados
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