Quando o Recife urbano se restringia ao Centro, as praias de Boa Viagem e Pina eram trechos inexplorados e inóspitos, apenas paisagens para quem ia à freguesia do Cabo de Santo Agostinho. A sociedade ainda não havia descoberto o lazer proveniente do mar – sobretudo em uma cidade cortada por rios, que eram preferência. Apesar disso, o Bairro do Recife tinha uma praia para chamar de sua: a Praia do Brum, localizada defronte para o forte de mesmo nome – uma das poucas construções dos holandeses que ainda está de pé.

Praia do Brum – Crédito: Fundação Joaquim Nabuco

Por volta do século 19, os banhos de mar até já existiam, mas para fins terapêuticos e de saúde. É sabido que no Rio de Janeiro, em 1810, Dom João VI tomava banhos na Praia do Caju por indicação médica para curar uma ferida.

Essa prática também popularizou-se no Recife ao longo daquele século. Em 1887, por exemplo, o Diario de Pernambuco publicou um anúncio em que lia-se:

“Alugas-se as casas […] com bastantes commodos para família, sendo uma acabada de edificar, são próprias para quem precisar dos banhos salgados, por estarem distantes meia dúzia de passos da Praia do Brum”.

Anúncio sobre venda de casa próxima da Praia do Brum em 1887

Outra prova da popularidade da prática eram as constantes reclamações sobre os serviços da empresa Companhia Ferro Carril, que operava os bondes que chegavam até essa praia. Reclamava-se muito da insuficiência para transporte de passageiros partindo da Boa Vista, por exemplo. “Diariamente ficam sem lugar algumas famílias que na Praça Maciel Pinheiro esperam o referido carro”, dizia o Diario, em 1903.

Se a lotação do transporte público rumo à praia se mantém na atualidade, outras coisas mudaram radicalmente. Naquela época, as pessoas tomavam os banhos com vestes pesadas. Certa vez, um grupo foi preso ao tentar ousar mais nos trajes, conforme registrou o mesmo citado jornal, em outubro de 1880:

“Em trajes de Adão no paraíso, foram surpreendidos ontem pelo Sr. Tenente Santos Neves cinco indivíduos que tomavam banho na Praia do Brum, perto da estação do mesmo nome, sem guardarem o decoro necessário às famílias que costumam banhar-se ali diariamente.”

Praia do Brum tinha até banheiros

Praia do Brum – Crédito: Desconhecido

Na segunda metade do século 19, quando os banhos da Praia do Brum já faziam parte do cotidiano da cidade, algumas pessoas passaram a construir banheiros para uso durante o passeio. Acontece, porém, que essas propriedades passaram a ser depredadas.

“Vagabundos e malfeitores por distração ou perversidade, botam abaixo os banheiros ou vão para lá praticar toda a sorte de imoralidades inimagináveis”, publicou o Diario, em outubro de 1895.

“Estando a Praia do Brum no Distrito Policial do Recife, é fácil que a respectiva autoridade, zelosa como se revela, dê as suas providências para cessar os prejuízos que sofrem as numerosas famílias que, por necessidade, recorrem aos banhos salgados ali.”

A praia e os seus banheiros também eram alvos constantes dos “gatunos” – como se referiam aos ladrões. Em 1904, foi denunciado que um desses subtraiu um relógio de ouro do sr. Bernardino de Azevedo Maia. Três anos depois, a polícia chegou a cercar todos os banheiros. 

Uma área mórbida no Centro do Recife

Para além dos furtos e das depredações, é possível afirmar que o principal tema relacionado à Praia do Brum na imprensa era o aparecimento de cadáveres. Alguns dos casos intrigavam a população.

Nota de jornal sobre cadáver encontrado na Praia do Brum, em 8 de novembro de 1914

Já em 1861, foi achado um cadáver dentro de um saco. O corpo era de uma menina negra de 11 anos de idade. Uma investigação levou à conclusão de que era a filha de um morador da Ilha de Itamaracá que residia temporariamente em uma freguesia próxima.

“A menor tendo vindo da referida Ilha muito doente de hepatite, dela faleceu na manhã do dia 18 corrente. À noite, Leocádio colocou o seu cadáver dentro de um saco e saiu, dizendo que ia o sepultar na Matriz da Várzea.”

A área também era conhecida pelo perigo. Em setembro de 1909, foi noticiado que um senhor que passeava pelas proximidades, acompanhado de uma senhora, foi “insolitamente agredido por um numeroso grupo de desordeiros armados de punhais.”

Reformas do Porto

Como se pode imaginar, a Praia do Brum não era vista com tanto apreço pela população, exceto por conta dos tais banhos salgados. Alguns registros mostram, inclusive, que existiam planos para a abertura de um esgoto nessa área.

Entrada do porto do Recife, em 1875 – Crédito: Autoria Desconhecida

Em 1861, o governo da província publicou um decreto sobre lugares provisórios para despejo de água pútridas e lixos, e lá estava: “No Bairro do Recife, a Praia do Brum, tanto do lado do mar como da maré.”

Não raro, a região também era vista como um entrave aos avanços da atividade portuária. Em 1860, a “Resenha Martina” dizia: “Os defeitos principais do Porto de Pernambuco consistem em sua pouca profundidade, e na existência de alguns bancos, que impossibilitam, ou dificultam o seu acesso à navios de grande caldo d’água. Destes bancos, o mais prejudicial é o que se estende desde o Forte do Picão até a Praia do Brum, que forma, por assim dizer essa barreira, que não pode ser transposta senão por navios, cujo o caldo d’água não exceda de 15 pés e maio, quais devem esperar ainda assim, as marés para poderem entrar.”

Desde 1815 já existiam projetos para reformar as instalações portuárias, mas sem execução. As obras que modernizaram o Bairro do Recife e o seu porto ocorreram entre 1911 e 1926.

A abertura da Avenida Beira-Mar

Enquanto o Recife Antigo transformava-se por completo, o governo de Sérgio Loreto também daria o primeiro passo para os banhos na Zona Sul: a criação da Avenida Beira-Mar, que levou os bondes até Boa Viagem.

Avenida Beira-Mar, em Boa Viagem, na década de 1920 – Crédito: Josebias Bandeira

Sobre esse feito, Luiz Cedro, do “Diario do Estado”, teceu o seguinte, em 1924: “Entre os melhoramentos, que a atual administração vai dotando o Recife, aquele a que a minha capacidade de admirar é mais sensível, declaro sem rebuço: é a Avenida Beira Mar.”

“O Recife a que não falta quem chame de Veneza Americana e realmente, prestigiada pela vizinhança do Atlântico, não possui até agora, uma avenida, um passeio, uma rua ao menos, a beira mar. Ao contrário. Os velhos sobrados na orla do cais, desde o Brum até a ponta da rua de Santa Rita Nova sempre deram, irreverentemente, as costas para o mar. Pouco nos importava que do mar viesse a vista incomparável dos seus aspectos, os primeiros raios da luz matutina, as brisas frescas do largo, as sombras da tarde….”, diz.

Paisagem da Praia do Brum, com o Farol da Barra e o Forte do Picão, no Recife (década de 1890) – Crédito: Pernambuco Arcaico

“A Praia do Brum, não obstante ter estado a dois minutos dos velhos bondes de Ferro Carril, nunca deixou de ser um litoral ermo e abandonado. Isto, aliás, até certo ponto se explicava, tratando-se do Recife de outrora. Porque já cem anos atrás, o encantando ou a atração do mar era desconhecida.”

Enquanto os recifenses conheciam com mais profundidade as belezas naturais da Zona Sul, os casebres coloniais do Bairro do Recife iam abaixo nas reformas de modernização. Sumiram a Matriz Corpo Santo, o Forte do Picão, a Praia do Brum e mais paisagens de um Recife que ficou para trás.

Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio

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