Nascido e criado numa periferia, educado por uma mãe que era professora de história, inspirado por uma avó que conseguia ouvir rádio e assistir TV ao mesmo tempo. Thiago André parecia confortável nas ruas do Bairro do Recife, onde aconteceu o REC’n’Play. Andava de um lado para o outro, entrava e saía dos prédios, acessava palestras e workshops, enquanto, vez por outra, dizia “nunca vi nada parecido”.
Chamava a atenção dele a apropriação de um lugar e das ruas de uma cidade por parte das pessoas, a promoção de eventos e debates gratuitos e democráticos. Esta, uma característica não só deste Festival, como do próprio ecossistema do Porto Digital, fundado em 2000 que tem como proposta reunir empresas unidas por um cinturão imaginário, a céu aberto. Thiago já havia participado do Festival em 2022, mas agora em 2023 parecia impressionado com a organização e pulverização das atrações na edição deste ano. Segundo ele, o REC’n’Play conseguiu proporcionar encontros únicos.
O História Preta e o próprio Thiago estavam em plena sintonia com a proposta temática e a filosofia do Festival, no sentido de conectar as margens. No podcast criado em 2019, a conexão se deu por meio da veiculação de quase 100 episódios que foram ao ar até agora, tratando de políticas públicas, evidenciando o processo de embranquecimento cultural e estrutural do Brasil iniciado no Século 19, que “envolvia transformar tudo que o negro faz em algo pejorativo”, como define.
O podcast de Thiago André surgiu com a missão de mostrar a relevante contribuição negra, interligando-a ao que o brasileiro vê, ouve e gosta. Como é o caso do samba e futebol – patrimônios nacionais. “No dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinava a Lei Áurea e entrava para a história como a grande redentora”, diz ele, de forma didática para então dar uma pausa sugestiva: “A gente sabe que não é assim. E, se não é ela [a redentora], quem são?”, questiona em um dos episódios, para dar uma espécie de aula moderna, com sons, ritmo e conteúdo apurado com rigor de historiador. É um podcast narrativo e documental.
Thiago André diz que se coloca na condição de multiplicador do debate para chegar ao máximo de pessoas possível por meio da escuta. O podcast, dentro dessa proposta, é uma “ferramenta do conhecimento” que vem desnudar um Brasil construído dentro de um antigo projeto de apagamento histórico, no que diz respeito aos conhecimentos culturais do negro e do indígena.
O História Preta, as palestras que profere contando as suas experiências de vida e a sua produção como educador que usa um meio tecnológico para ampliar a sua voz dão forma àquilo que Thiago André acredita e defende: “Para mim, a educação é o melhor caminho para virar o jogo”.
Thiago vê como o História Preta tem chegado às pessoas como conteúdo de memória histórica e contribuição para a vida em sociedade. Parece confiante de que fez a melhor escolha ao deixar a Marinha e agarrar-se ao que considera a sua tábua de salvação para ir além.
Continuação da série VOZES DO REC’N’PLAY com Thiago André
“O REC’n’Play existe para deixar um legado”, diz Thiago André
Inovação em nome da memória negra
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Silvia Bessa é jornalista. Gosta de revelar histórias que se escondem na simplicidade do cotidiano. Venceu três vezes o Prêmio Esso e tem quatro livros publicados
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