A pandemia da Covid-19 já estava impactando a vida de todos quando a médica obstetra avisou: “Vamos adiantar o parto de Bia. A gente não sabe o que vai acontecer, mas o quadro pode piorar muito”. Bia nasceu em abril de 2020, depois de longa expectativa e de sucessivos procedimentos de fertilização in vitro dos pais, Luís Fernando e Milena. Dois anos depois, com as vacinas contra a doença e a vida voltando ao normal, os pais de Bia curtiam felizes a plenitude de criá-la. Um dia, tocou o celular. “Seus filhos chegaram e já podem ser adotados” – avisaram. Eram Miguel e Melissa, que seriam entregues para Luís Fernando e Milena, caso concordassem. Há anos, o casal havia feito inscrição no cadastro de adoção; esqueceram. Receber a notícia de que tudo tinha dado certo com o processo foi uma grande e boa surpresa. “Agora somos eu, Milena e uma família de pernambucanos, com três filhos”, Luís. 

Entrega de Doação de geladeiras para vacinas

       As crianças que hoje correm pela casa e que são apaixonadas pelo céu e sol recifenses são filhas do Diretor Executivo da Accenture, a maior empregadora da área de tecnologia – instalada em Pernambuco, bem ali, às margens do Marco Zero da capital, no Recife Antigo. Com 26 anos de trajetória na mesma empresa, Luís Fernando é uma liderança tech proeminente no universo da inovação brasileira e do ecossistema do Porto Digital. Alguém capaz de falar por horas sobre a humanização nos negócios e nas relações que envolvem a tecnologia. Talvez seja esta a sua fala mais reincidente e inspiradora.

Luis Fernando acompanhado de esposa e filhos

        “A tecnologia impacta muito a sociedade, mas é preciso sempre valorizar o olhar humano”, afirma. Não por acaso, a terceira matéria desta série de reportagens perfila Luís Fernando Silva, com a compreensão “holística” (para usar expressão dele) desse paulista, que fez de Pernambuco o lugar para o reencontro com as suas origens. Luís Fernando é de uma família de pouco estudo. Nela, foi o primeiro a cursar uma faculdade. Escolheu engenharia elétrica com ênfase em computadores, e fez o seu primeiro estágio na multinacional quando tinha por volta de 20 anos. Ascendeu primeiro no disputado mercado de São Paulo, até que viu uma chance de criar algo novo e desenvolver processos no Nordeste. Chegou ao Recife. Esta viria a ser a melhor chance para quebrar estereótipos sobre uma região conhecida pelo turismo e ainda se enraizar nas lembranças do seu pai, nascido no Sertão do Caicó (“Aliás, essa é uma parte da minha história da qual tenho muito orgulho”).

        “A gente que está no Sudeste acha que o mundo se resume à vida de lá; e eu posso falar como paulista de nascimento sem medo de ser feliz”, conta ele. “As pessoas enxergam o Nordeste como lugar de veraneio. Cheguei aqui e conheci o Porto Digital. Percebi que era, sobretudo, um polo de formação de pessoas, de inovação e de cultura. São características que fazem de Pernambuco esse país”. E o que esse conjunto de diferenciais representava, na visão dele e dos colegas da Accenture? “A gente descobriu que o Recife tinha muito potencial de criação de coisas diferentes, o que poderia ser ponto de partida para o crescimento da empresa e para a escalada dos negócios. Era um potencial que estava guardado e que fez com que a gente conseguisse mostrar para a organização que tínhamos muito mais a explorar”. 

        O resultado: no Recife que resolveram construir um enorme centro de inovação, que considera não só os talentos da região, mas o contexto sociocultural.  “Eu perturbo bastante o pessoal de São Paulo. Quando estão me zoando, eu mando uma foto do escritório [com uma vista 180 graus voltada para o Rio Capibaribe) e falo: ‘Olha, dá uma olhada aí na Marginal Pinheiros e vê se está assim’”, brinca. 

Luís Fernando – Estagiário na Andersen Consulting
Luís Fernando – Diretor Executivo da Accenture

Para além das narrativas que contam como as instalações da Accenture foram erguidas, Luís Fernando sempre dá um jeito de valorizar as conexões que permeiam o Porto Digital, a Accenture e nas quais ele se insere. “A gente acaba tendo muita oportunidade de transformação. De outro modo, temos ainda muita desigualdade no Brasil, então podemos usar esse nosso poder para conduzir no sentido de ajudar o coletivo e interligar histórias de pessoas”.

Luís Fernando conquistou cargos de liderança de forma gradativa. Conduziu o namoro da Accenture com o Recife e com os fundadores do Porto Digital. Há pouco mais de dez anos, estava oficializando na cidade a implantação do centro da empresa para o Brasil, para expansão fora do saturado mercado de São Paulo e com possibilidade de interagir dali com gente do mundo inteiro. “À época, não existia nenhum player multinacional aqui”.  

Reuniao do Time Executivo da Accenture

      Em 2013, a empresa acelerou o crescimento. Os funcionários de 2010, antes resumidos a 28 apenas, saltaram hoje para quase 3 mil colaboradores. “Para nós, estava claro que as pessoas tinham uma vontade muito grande de fazer as coisas acontecerem, mas faltavam ainda oportunidades. Por isso, muitas vezes havia o êxodo dos cérebros do Nordeste para outras regiões”. O desejo de aprender e a vontade de fazer foram convincentes, e a cultura de Pernambuco foi definidora nesse processo, diz Luís. Trata-se, explica ele, de um Estado com “forte orgulho” local, mas um orgulho “construtivista”, de querer unir, mostrar, de propagar a positividade.

      Luís Fernando tornou-se um grande garoto-propaganda do ecossistema do Porto Digital e, sobretudo, de Pernambuco. “Aqui, temos uma visão integrativa e coletiva. Você circula, você interage, algo que Silvio Meira e Cláudio Marinho [fundadores do Porto Digital) já defendiam, no momento que incluíam a academia e a sociedade na transformação territorial”.  E, quando fala o “aqui”, parece falar de algo realmente dele, nada em Pernambuco, diz Luís Fernando, é óbvio e previsível (“Em São Paulo você olha e vê algo muito mais transacional”).

      Para o diretor da Accenture, o sucesso do polo de inovação pernambucano e da própria Accenture do Recife, que faz inveja a outros centros de inovação da empresa em outros continentes, está na construção dessas relações baseada no longo prazo. “Isso é único aqui. Tem muita tecnologia e inovação, e tem muito coração”. Parece incansável em citar exemplos dessas estreitas relações e do jeito pernambucano de ser – que ele narra a cada visita que recebe no seu escritório, em um dos armazéns do Marco Zero.

      Um deles aconteceu recentemente, quando recebeu convite de um secretário para uma posse. “Um convite como esse não é algo transacional. É pela relação mesmo. Aqui há um tecido construído, que vai transformando as vidas”, teoriza, citando o ex-secretário e urbanista Cláudio Marinho, e falando sobre um ecossistema biológico, que caminha de forma integrada: “Isso não tem comparação. Não se vê em outros lugares”.

Luis Fernando, esposa e amigos no Carnaval de Recife

     Sob a gestão de Luís Fernando, a Accenture adotou a cultura pernambucana e ela faz parte da empresa na rotina diária, assim como na rotina dos filhos dele. Seja com o xote embalado por um dos coordenadores da multinacional que toca sanfona (e agrada); seja por uma colaboradora que recita versos de cordéis adaptados (e encanta). “Acho que a gente tem um olhar multinacional das coisas, conseguimos capturar isso muito bem na empresa. Mas talvez vocês (do Recife) tenham percebido isso antes de nós”. 

       Para ele, é muito mais que um escritório colorido como os do Google. É um espaço que conta com um centro de inovação, que está situado num espaço territorial histórico e belo, e que – anualmente – é palco para um grande carnaval multicultural. “É um lugar com essência”, sobre o qual não se pode analisar numa ótima simples e fria: ”Só vivendo para saber”. Em tempo: ele adora um Carnaval.

    Luís acredita que este é um momento único para o Porto Digital e para Pernambuco como centro de inovação. Ao mesmo tempo em que crescem notícias e soluções na área da Inteligência Artificial, aumenta a necessidade de se investir, empreender e fazer negócios com alma. De se buscar a essência. Bia, Miguel e Melissa, que crescerão com a IA e a tecnologia, chegarão à idade de concordar com o pai.

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Silvia Bessa é jornalista. Gosta de revelar histórias que se escondem na simplicidade do cotidiano. Venceu três vezes o Prêmio Esso e tem quatro livros publicados

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