Praças desempenham um papel fundamental no tecido urbano, representando não apenas áreas físicas, mas verdadeiros cenários de interação social, cultural e histórica.
É possível afirmar qual a praça que mais representa uma cidade? Ou qual delas mais assistiu às transformações? Essas podem ser perguntas complexas, mas é possível chegar em alguns consensos.
No Recife, podemos apontar a Praça da Independência – também conhecida como Pracinha do Diário – para esse título. Este espaço resiste desde os primórdios do Recife, mesmo que ainda não detivesse a alcunha de “praça”.
A Independência assistiu aos holandeses, teve instrumento de tortura nos tempos coloniais, se firmou como área do comércio e da informação, sendo palco de importantes acontecimentos políticos.
Terreiro dos Coqueiros
É possível ver a área da Praça da Independência, mesmo que ainda de forma desconexa, já nos primeiros mapas desenvolvidos pelos holandeses para os bairros de São José e Santo Antônio, que formavam a Ilha de Antônio Vaz. Foram os flamengos que saíram da atual Ilha do Bairro do Recife para urbanizar esta “nova” área da cidade.
Em 1631, um mapa de Andreas Drewisch já registrava as estruturas de fortificações da área. As primeiras edificações aparecem na área que vai da atual Rua do Imperador até a Praça Dezessete, uma região cercada por muralhas que era denominada de Groot Kwartier (grande alojamento, em português) nos mapas.
É durante a formação desse “Groot Kwartier” que várias quadras passaram a orbitar em torno de um espaço livre: o Terreiro dos Coqueiros, a futura Independência. Pela movimentação de um mercado, a área também foi chamada de Mercado Grande ou Praça Maurícia.
“A praça, neste espaço, se encontrava como o centro no qual convergia as ruas da Velha Maurícia, estando as quadras orbitando a sua volta, podendo se concluir que a praça exercia um papel importante no Groot Kwartier, uma vez que este era cercado por paliçadas e muralhas, tornado a praça um grande espaço de convivência para o povo além da função de mercado”, diz Lúcio Oliveira na pesquisa “Arqueologia da Paisagem Urbana na Praça da Independência” (UFPE) – principal fonte para este artigo.
Praça da Polé
Após a expulsão dos holandeses, os bairros ganham novas construções, sobretudo igrejas e conventos. Pela convergência de vias, a área da Praça já tinha tanto destaque que foi escolhido para abrigar a polé, um instrumento de tortura usado na Inquisição – nele, a vítima era suspensa com pesos nos pés.
Neste local, a partir do século 18, o instrumento de tortura tinha uma ampla visibilidade, despertando temor nos habitantes pelas possíveis punições. Antes, o objeito ficava próximo da Igreja do Pilar, na área “Fora de Portas” da Ilha do Bairro do Recife – onde atualmente fica a Comunidade do Pilar.
A finalidade violenta da polé não impediu que o comércio continuasse se desenvolvendo ali. Em 1789, várias lojinhas foram inauguradas para integrar o Mercado da Polé, que vendia hortaliças, frutas e cereais – como um contraponto ao Mercado de São José, que vendia peixe.
Enfim, Praça da Independência
O século 19, marcado pela modernização urbana do Recife nos moldes europeus, deu à Praça da Independência ainda mais imponência. Os imóveis se expandiram cada vez mais, reduzindo o espaço.
Enquanto o bairro de Santo Antônio tinha imóveis com um pavimento, nela já era possível ver casas elevadas. No entorno, já existiam importantes edificações religiosas, como a Santa Casa, a Igreja do Rosário dos Homens Pretos e a Matriz de Santo Antônio.
Nessa época, a Praça ganhou o nome de Praça da União, por conta do novo arranjo político do país, que deixou elevado à condição de Reino Unido de Portugal e Algarve, em 1816.
Apenas em 1833 é que a Câmara lhe deu o nome de Praça da Independência – nessa época, todos os seus prédios foram pintados de verde e amarelo.
A Pracinha do Diario
No começo do século 20, a Praça recebeu a sede do Diario de Pernambuco, que ocupou uma imponente edificação de três andares, construído a pedido do seu dono da época, o Conselheiro Rosa e Silva. O imóvel deslumbrava os transeuntes.
A presença de um decano da imprensa brasileira reforçou a Praça enquanto centro da difusão de informações e de intensa movimentação política. Próximo, na Rua do Imperador, instalou-se o Jornal do Commércio, fundado em 1919.
Não raro, multidões se aglomeravam nessas localidades à espera das informações mais recentes, antes mesmo da edição do dia seguinte. Foi o ocorreu na Segunda Guerra Mundial, quando virou hábito esperar por notícias do conflito na Europa.
Reformas
Entre as décadas de 1930 e 1970, a Praça da Independência não escapou das intensas transformações no tecido urbano do Centro.
Ao longo da década de 1940, foi aberta a Avenida Guararapes, com demolições de casas, lojas e um quarteirão que a separava da Igreja de Santo Antônio – tornando o templo parte integrante da praça.
Na década de 1970, a localidade também assistiu à abertura da Avenida Dantas Barreto e passou uma nova reforma, ganhando um pequeno lago e um busto do jornalista Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados – do qual o Diario de Pernambuco era integrante. Em 2007, também foi instalada uma escultura de Carlos Pena Filho.
Hoje marcada pela mendicância e degradação que atinge os centros históricos do País, a Praça da Independência é uma testemunha do Recife e deve ser resgatada pelo cotidiano de interações sociais, culturais e econômicas.
Do Terreiro dos Coqueiros até a atualidade, ela assistiu à abertura e fechamento de vias, construção e demolição de imóveis. Mais do que um ponto geográfico, é um guardião do ontem e, esperançosamente, também um palco para o Recife de amanhã.
Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio
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