“Computadores avançam / Artistas pegam carona / Cientistas criam o novo / Artistas levam a fama”. Com apenas alguns versos, “Computadores Fazem Arte” (1994), clássico de Chico Science & Nação Zumbi, composto por Fred Zero Quatro, capturou de forma brilhante os dilemas da interação entre artistas e tecnologia.

Ao longo de sua carreira, Chico Science demonstrou um fascínio pelas inovações contemporâneas, e agora, a tecnologia está desempenhando um papel crucial na preservação de seu legado através da digitalização.

Famoso chapéu de palha no Acervo Chico Science (Foto: Fred Jordão)

Um total de cerca de 3.800 itens pertencentes ao artista foram meticulosamente catalogados, higienizados, acondicionados e digitalizados. Este vasto acervo inclui figurinos (incluindo tênis, óculos e chapéus), pequenos objetos, documentos, cartas, instrumentos musicais, obras de arte, fotografias, revistas, vinis, CDs e fitas VHS.

Desde o falecimento, em 1997, todos esses pertences ficaram guardados no apartamento em que Chico Science vivia com a sua irmã, Goretti França. “Desde o início já existia essa ideia, embora fosse uma ideia vaga”, diz ela.

Acervo Chico Science (Foto: Fred Jordão)

“Amigos deles, como Paulo André Pires [que foi empresário da Nação Zumbi] e Sonali Macêdo, também partilharam dessa ideia. O acervo continuou no apartamento. Há três anos me aposentei e finalmente pudemos ter um olhar mais delicado para isso.”

Como acessar o acervo digital de Chico Science?

A primeira fase dessa salvaguarda começou em 2023, quando a família do artista lançou o site acervochicoscience.com.br, onde estão disponíveis páginas digitalizadas de sete cadernos de anotações do artista. O projeto da digitalização e divulgação desses cadernos ocorreu com incentivo do Fundo de Incentivo à Cultura (Funcultura), do Governo de Pernambuco. 

Agora, a segunda fase, que engloba outros objetos pessoais de Chico Science, recebeu financiamento do Sistema de Incentivo à Cultura da Prefeitura do Recife. 

Acervo Chico Science (Foto: Fred Jordão)

Contudo, o resultado ainda não está disponível para o acesso do público geral, visto que o citado site dos cadernos de anotações não suportaria os arquivos.  Todo o conteúdo está guardado em uma plataforma com arquivos nos formatos JGPE (para usos mais simples) E TIFF (para utilizações mais complexas).

Acervo Chico Science (Foto: Fred Jordão)

Família quer museu virtual e instituto

A família do artista agora busca recursos públicos e privados, além de participar de editais, para avançar para a próxima etapa: a criação de um museu virtual e um instituto em homenagem a Chico Science.

“Queremos levar as digitalizações para esse espaço virtual, como um museu virtual, mas também queremos criar um espaço físico, que abrigaria um instituto”, diz Goretti França, irmã de Chico e responsável por capitanear os projetos.

Acervo Chico Science (Foto: Fred Jordão)

“O Instituto ainda não tem um nome, mas seria um espaço multicultural, não apenas um museu. Queremos criar um espaço como Chico sonhava. Ele tinha sonhos em relação a esse lugar, que fosse um lugar educativo, social, ambiental e também cultural. Ele chegou a falar nisso várias vezes, inclusive. Registramos em texto algumas falas dele sobre isso.”

Além da digitalização, todo o material também recebeu tratamento museológico adequado, garantindo sua preservação a longo prazo. Essa realização é particularmente significativa, já que por muito tempo esses objetos foram guardados sem o cuidado necessário. “Cada objeto é um objeto histórico.”

Iconografia, comportamento e consumo

Acervo Chico Science (Foto: Fred Jordão)

Se os acervos mais “tradicionais” de cantores e músicos costumam reunir objetos ligados especificamente à música, como instrumentos, discos e arquivos de áudio, a coleção de Chico Science chama atenção pelo número e variedade de objetos pessoais.

Mesmo após 27 anos da sua morte, Chico segue sendo um exemplo de iconografia no Brasil. Para Goretti França, essa diversidade de objetos (alguns aparentemente inusitados), serve para mostrar a pessoa que Chico foi.

“Temos prêmios, mas também temos o tênis, objetos que refletem sobre como ele se vestia, como ele se comportava. Chico tinha uma forma de vestir que valorizava o local, ao mesmo tempo em que se conectava com o mundial. Ele misturava um Adidas com uma calça de maracatu comprada no Centro do Recife, em lojas simples.”

Acervo Chico Science (Foto: Fred Jordão)

“Existe um viés de moda, de arte. Temos as ‘cases’ de CDs dele, que ficava no porta CDs do carro ou que ele usava para discotecar. Chico escreveu todo um desenho, um personagem, de como ele era. O que ele pensava? Como agia? De onde ele bebia? Eram livros, quadrinhos, revistas, discos, em uma época em que não era fácil se informar sem a internet.”

A digitalização foi realizada em uma parceria com o Centro de Documentação Dom José Lamartine (Arquidiocese de Olinda e Recife), com coordenação da empresa MUSEO – museologia e museografia. A execução foi da museóloga Déborah Siqueira, do fotógrafo Fred Jordão, amigo de Chico, e de uma equipe de três estagiárias do curso de museologia da UFPE.

Esses esforços coletivos garantem que o legado de Chico continue vivo e acessível para as gerações futuras, celebrando não apenas sua contribuição para a música brasileira, mas também seu impacto como um ícone social, inovador e tecnológico.

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