O ano de 2024 marca um ponto de virada no mercado brasileiro de veículos elétricos, impulsionado por uma combinação de otimismo do setor e uma série de investimentos significativos que sinalizam um futuro promissor. 

Carro elétrico sendo carregado em ponto recarga em Brasília. Foto: José Cruz/Agência Brasil

Segundo um recente estudo da Jato Dynamics, a projeção para a participação de carros elétricos e híbridos nas vendas totais do mercado nacional até 2030 mais do que dobrou: saltou de 12,5% para mais de 25%. Esse aumento expressivo nas expectativas reflete um ambiente cada vez mais propício para a eletrificação veicular no país, sustentado por iniciativas governamentais como o Programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que oferece incentivos significativos para o setor.

Além disso, a confiança dos executivos no crescimento sustentável do mercado automotivo é notavelmente alta. Uma pesquisa da KPMG com executivos brasileiros revelou que 42% estão extremamente confiantes quanto ao crescimento do setor nos próximos cinco anos – um aumento de mais de dez pontos percentuais em relação ao ano anterior. 

Essa confiança contrasta com tendências mais cautelosas observadas em mercados como os Estados Unidos e a Europa Ocidental, e destaca a posição única do Brasil como um líder emergente na adoção de tecnologias automotivas avançadas.

XC40 (Volvo/Divulgação)

Investimentos estratégicos e inovação tecnológica

Esse otimismo refletido nas expectativas de mercado é acompanhado por investimentos robustos de montadoras estabelecidas e novos entrantes. Nos últimos meses, a Stellantis e a Toyota anunciaram aportes que somam bilhões de reais para desenvolver e expandir suas linhas de produção de veículos eletrificados no Brasil. 

A Stellantis prometeu R$ 30 bilhões de investimento com foco em modelos híbridos flex, enquanto a Toyota disputou atenção política com um anúncio de R$ 11 bilhões. Essa tendência é ampliada por anúncios significativos de outras gigantes automotivas, como Volkswagen e General Motors, que delinearam planos de investir respectivamente R$ 16 bilhões e R$ 7 bilhões nos próximos anos. 

Esses investimentos são direcionados não apenas para a produção de modelos elétricos e híbridos, mas também para a modernização das fábricas para integrar novas tecnologias automotivas. Isso tem levado a Bright Consulting e outras consultorias a ajustarem suas projeções para o mercado brasileiro de veículos elétricos para refletir uma adesão mais rápida e ampla do que anteriormente esperado.

Peugeot e-208 (Stellantis/Divulgação)

No cenário atual, de acordo com dados recentes da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), os carros elétricos puros, conhecidos como BEVs, representaram 2,9% do total de novos carros vendidos, um aumento significativo em relação aos 0,9% registrados em 2023. 

Esse aumento não só reflete uma mudança na preferência do consumidor brasileiro, mas também uma adaptação do mercado aos novos padrões de consumo, que valorizam mais a sustentabilidade e a tecnologia avançada. Além disso, a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) registrou um recorde de quase 94 mil unidades vendidas em 2023, com uma projeção ainda mais otimista para 2024, esperando ultrapassar as 150 mil unidades

Empurrão do governo

A confiança no mercado brasileiro de veículos elétricos é amplamente reforçada por uma série de medidas governamentais proativas, especialmente com a implementação do programa nacional de Mobilidade Verde e Inovação, conhecido como Mover. Este programa, que substitui e amplia o anterior Rota 2030, é uma peça chave na estratégia do governo para estimular a modernização e a sustentabilidade na área de mobilidade e logística. 

Criado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o Mover redefine metas de descarbonização e estabelece um sistema de medição de emissões abrangente, que considera todo o ciclo da fonte de energia utilizada, denominado “do poço à roda”. A partir de 2027, esse monitoramento será ainda mais amplo, adotando o sistema “do berço ao túmulo”, que avalia a pegada de carbono completa dos veículos, inclusive considerando o processo de fabricação das baterias dos veículos elétricos.

Para incentivar a sustentabilidade, o governo brasileiro também está oferecendo incentivos financeiros significativos às empresas, com um montante total de cerca de R$ 19 bilhões em créditos até o final do programa em 2030. Este montante representa um aumento considerável em relação aos incentivos médios anuais do antigo Rota 2030. Em 2024, o incentivo fiscal para quem investir na descarbonização será de R$ 3,5 bilhões, com previsões de aumento nos anos subsequentes.

A invasão chinesa

O setor de elétricos não vive só das marcas tradicionais dos EUA, Europa e Japão. Nos últimos anos, montadoras chinesas como BYD, GWM, Caoa Chery e JAC Motors conquistaram um espaço significativo no mercado brasileiro de veículos eletrificados. 

Segundo dados recentes da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), estas empresas já respondem por metade das vendas de carros híbridos no Brasil e possuem quase 90% do mercado de carros 100% elétricos. Essa liderança notável se deve a uma combinação de preços competitivos, tecnologias avançadas e um foco consistente na sustentabilidade.

Diferentemente de suas tentativas anteriores de entrar no mercado brasileiro, estas montadoras estão agora investindo na produção local, o que lhes confere vantagens significativas em termos de tributação e preço final ao consumidor. A decisão de estabelecer linhas de montagem no Brasil, como planejam BYD e GWM, reforça o compromisso dessas marcas com o mercado local e ajuda a mitigar as barreiras impostas por mudanças na tributação sobre veículos importados.

BYD Dolphin (BYD/Divulgação)

No primeiro trimestre de 2024, a BYD não apenas dominou as vendas, mas também liderou as buscas por carros elétricos e híbridos no Brasil, conforme levantamento da Webmotors, uma das principais plataformas de vendas e compras de veículos no país. Entre os veículos elétricos zero quilômetro mais pesquisados, os modelos Dolphin e Seal da BYD ocuparam os dois primeiros lugares, respectivamente. O modelo GWM Ora-03, seguiu de perto na terceira posição.

Os dados do Webmotors Autoinsights ainda revelam que 55% das buscas por elétricos usados concentram-se em veículos acima de R$ 250 mil, indicando uma procura significativa por modelos de alta gama, o que abre oportunidades para a chegada de mais marcas chinesas, como a Zeekr do grupo Geely. A montadora promete intensificar ainda mais a competição no segmento de luxo, tradicionalmente dominado por montadoras europeias. A Zeekr planeja introduzir modelos com tecnologia de ponta e desempenho superior, competindo diretamente com marcas alemãs no mercado brasileiro.

Sobe e desce de preços

Por outro lado, a evolução dos preços dos veículos elétricos no Brasil revela um cenário de altos e baixos significativos. De acordo com o 5º Relatório AutoAcrefi, realizado pela Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento em parceria com a Cox Automotive, o preço médio dos carros 100% elétricos caiu cerca de 10% de janeiro de 2021 a fevereiro de 2024. 
Essa redução foi impulsionada pela entrada de modelos mais acessíveis e pelo aumento da concorrência. No entanto, o início de 2024 marcou uma inversão dessa tendência, com um aumento abrupto de quase 20% no preço dos elétricos, principalmente devido ao retorno do Imposto de Importação e ao lançamento de modelos de luxo no mercado.

BYD Dolphin (BYD/Divulgação)

Esse aumento contrasta com a trajetória dos preços dos automóveis a combustão, que dispararam 31% no mesmo período, enquanto os veículos híbridos ficaram 8% mais caros. A alteração na política fiscal, com a reintrodução gradual do Imposto de Importação para veículos híbridos e elétricos, planejada para alcançar 35% em julho de 2026, é uma das principais razões para o recente aumento dos preços. 

Essa medida visa equilibrar o incentivo à produção local com a necessidade de importações para atender à demanda por novas tecnologias. No entanto, isso também representa um desafio para manter os veículos elétricos acessíveis para o consumidor médio brasileiro.

Por outro lado, há sinais positivos no que se refere ao financiamento de veículos. A expectativa de queda na taxa Selic e a implementação do novo Marco Legal das Garantias, que facilita a retomada de bens em caso de inadimplência, podem melhorar as condições de crédito para compra de veículos, impactando positivamente o mercado.

Olhando para fora

No contexto global, a situação no Brasil reflete desafios semelhantes aos enfrentados na Europa, onde a popularização dos veículos elétricos também esbarra em obstáculos significativos. Na União Europeia, as vendas de veículos recarregáveis estagnaram recentemente, impactadas pelo fim dos subsídios em grandes mercados como a Alemanha e pela relutância dos consumidores em investir em tecnologias ainda emergentes e caras.

Um dos principais desafios citados tanto na Europa quanto no Brasil é a infraestrutura de recarga. A concentração de pontos de recarga em poucos países na Europa e a insuficiência desses pontos no Brasil são barreiras que precisam ser superadas para que a adesão aos veículos elétricos possa se expandir significativamente.

Os desafios para o setor de veículos elétricos no Brasil são múltiplos e incluem a volatilidade dos preços, impactos de políticas fiscais e a necessidade de melhorar a infraestrutura de recarga. Enquanto o mercado global continua a avançar em direção à eletrificação, o Brasil enfrenta o desafio de adaptar suas políticas e infraestrutura para não apenas acompanhar essa tendência, mas também para tornar a tecnologia acessível e prática para uma adoção mais ampla.

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