Conjunto urbanístico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 1998, o Bairro do Recife é conhecido também por contrastes arquitetônicos. Prédios com aspectos mais antigos, do “ecletismo” do começo do século 20, são ladeados por fachadas modernas.

Prédio do Banco do Brasil, em 1920, e do Grupo João Santos, na atualidade (Crédito: Desconhecido)

Uma dessas contraposições se destaca: o “cone de vidro” localizado à esquerda dos quatro famosos prédios da praça do Marco Zero. Nas redes sociais, não é incomum que apareçam imagens de cartões postais antigos, mostrando a paisagem com todos prédios completamente ecléticos.

Nessas fotos, o “cone de vidro” era ainda um imponente prédio branco com três pavimentos, fachada arredondada e uma chamativa cúpula, sendo uma representação do ecletismo, um período de transição da arquitetura predominante desde meados do século 19 até as primeiras décadas do século 20 – marcada por uma mistura de estilos do passado para a criação de uma nova linguagem.

Esse tipo de arquitetura foi predominante nas principais reformas urbanas do Brasil no começo do século 20, estando presente nos prédios mais imponentes do Bairro do Recife. Por que esse prédio “se foi”, afinal?

Construção da Praça Rio Branco (ou Marco Zero)

Construção dos prédios da Praça Rio Branco no começo do século 20 (Crédito: Museu da Cidade do Recife)

Para entender a relevância desse conjunto arquitetônico, é preciso voltar ao começo do século 20, quando a paisagem do atual Marco Zero do Recife dava lugar ao “Cais da Lingueta“.

No século 19, essa área se consolidou como um espaço de descida dos passageiros de navios. Era comum que as pessoas ficassem lá olhando a movimentação das embarcações.

Com as reformas dos Planos de Melhoramentos e Reforma do Porto e do Bairro do Recife (1909-1926), o cais foi abaixo, dando lugar à Praça Rio Branco, com o encontro de quatro avenidas.

Propaganda do Bairro do Recife após reforma, no começo do século 20 (Crédito: Desconhecido)

No entorno a praça, foram construídos os seguintes prédios ligados à instituições bancárias e financeiras: o Bank of London & South America Limited (atual Caixa Cultural), Associação Comercial de Pernambuco, London & River Plate Bank (antiga sede da In Loco) e o Banco do Brasil, que futuramente seria totalmente descaracterizado.

Grande agência do Banco do Brasil

Na imprensa, existem registros de atividades do Banco do Brasil da Praça Rio Branco já a partir de 1933. No Diario de Pernambuco, uma nota de 17 de fevereiro daquele ano informa sobre a abertura de inscrições para um concurso com matérias como aritmética, português, francês, inglês, contabilidade e datilografia.

Antiga agência do Banco do Brasil em 1937 (Crédito: Desconhecido)

Em 1938, o banco anuncia uma nova modalidade de “depósito a prazo fixo”, instituída com “renda mensal”, com talões de cheques que podiam ser usados para retiradas dos juros obtidos nas contas.

Anúncio do Banco do Brasil, em 1942

Entre 1970 e 1972, o Banco do Brasil publicou editais para informar que estava vendendo “preferentemente à vista, o antigo prédio de sua Agência nesta cidade, com 3 pavimentos e cúpula, área construída de 1.402.90 metros quadrados e área do terreno de 495 metros quadrados”.

Prédio comprado pelo Grupo João Santos

A entidade empresarial que arrematou o leilão do antigo prédio do Banco do Brasil foi o Grupo João Santos, que chegou a ser o maior grupo cimenteiro da América Latina por conta do Cimento Nassau.

O Grupo anunciou oficialmente a mudança de endereço em 12 de outubro de 1977. Assim, podemos considerar que a reforma ocorreu nesse intervalo de cinco anos (1972-1975).

Nota do Grupo Industrial João Santos no Diario de Pernambuco, em 1977

É importante ressaltar que o logradouro desse imóvel mudou de “Avenida Alfredo Lisboa, 427” para “Avenida Marquês de Olinda, 11”. Isso ocorreu porque foi alterado o local onde fica a entrada.

Atualmente, o Grupo João Santos ainda concentra todas as suas principais atividades neste prédio. 

Tempos do modernismo

A descaracterização do prédio não ganhou as páginas do jornal na época. O arquiteto e urbanista Geraldo Marinho, professor no Departamento de Arquitetura e Urbanismo na UFPE por 25 anos, comenta que a arquitetura eclética não tinha tanto reconhecimento patrimonial na época da reforma.

“Os arquitetos da geração modernista não viam grandes valores na arquitetura eclética. Existia uma visão limitada nos grandes monumentos, como arquitetura militar e religiosa. De lá para cá, houve muita reflexão em relação ao que é o patrimônio urbano e cultural.”

Praça Rio Branco antes da reforma do final dos anos 1990 (Crédito: Desconhecido)

“Talvez alguns poucos especialistas e historiadores falassem. Hoje em dia seria bem diferente, como se viu a recente história do Zeppelin”, diz Marinho.

Quando houve a revitalização do Bairro do Recife no governo de Jarbas Vasconcelos (1999-2006), na mesma época em que o Porto Digital foi instalado na região, a arquitetura eclética passou a ser valorizada. 

“O projeto procurou ressaltar esse valor eclético. Acredito que a demolição do Banco do Brasil foi um último suspiro, no caso do Recife, dessa arquitetura que buscava ignorar o passado recente, do começo do século 20.”

Marco Zero do Recife na atualidade (Crédito: Divulgação)

É interessante ressaltar que esse contexto de modernismo no Bairro do Recife também traz prédios como a sede do Bandepe, que atualmente abriga o Núcleo de Gestão do Porto Digital, com projeto assinado pelo renomado arquiteto Acácio Borsoi.

Outros exemplos são o Banco do Brasil na Avenida Rio Branco e o prédio espelhado de frente para o Chanteclair, na Avenida Marquês de Olinda, que foi eclético e também ganhou arquitetura moderna para sediar o Banco Internacional, em 1973.

Assim, a transição da arquitetura não refletiu apenas uma mera mudança física, mas sim a transformação ideológica e cultural de uma época.

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