O Bairro do Recife se erguia como uma verdadeira ilha financeira entre as últimas décadas do século 19 e as primeiras do século 20, com a chegada de agências de bancos internacionais que impactaram a economia local. A opulência dessas instituições deixou marcas na paisagem arquitetônica: diversos prédios que circundam a praça do Marco Zero foram bancos no passado.

Um dos símbolos dessa era foi o imponente prédio de arquitetura eclética localizado no número 23 da Avenida Rio Branco, entre a sede do Grupo João Santos e a sede histórica da Associação Comercial de Pernambuco. Este imóvel abrigou o London and River Plate Bank.

Com quatro andares e 1500 m², o belo palacete é o tema do terceiro texto da série “Memória no Concreto: Histórias de Prédios do Bairro do Recife”, publicada pelo Jornal Digital para resgatar as atividades econômicas e sociais que movimentaram a ilha, que atualmente abriga empresas embarcadas no Porto Digital, no século passado. Clique aqui para conferir outros textos da série

London and River Plate Bank funcionou no imóvel de número 23 da Avenida Rio Branco

London and River Plate Bank

Essa é uma história que começa em Londres, passa por Buenos Aires e Rio de Janeiro, até chegar ao Recife. O London and River Plate Bank nasceu do interesse britânico pelo comércio na América do Sul na segunda metade do século 19, resultando no surgimento de organismos bancários com balcões instalados nas principais cidades e portos do continente.

O “River Plate” foi fundado em 1862, em Buenos Aires, com “um capital de £500,000 em 5,000 ações de £100 cada, e com poder para aumentar”, conforme informou o “Banker’s Magazine em Londres”. “Os representantes desses estados e seus respectivos governos veem com bons olhos o estabelecimento da instituição como um meio poderoso de contribuir para o avanço das relações comerciais com a Grã-Bretanha”.

Informativo do London and River Plate na Seção Comercial do Diario de Pernambuco, em 1918

No fim daquele século, o River Plate conseguiu estender as suas atividades para outros países, totalizando 39 estabelecimentos, com maioria na Argentina e no Brasil (13 balcões cada uma), seguidos por Uruguai (4), Chile (3), Paraguai e Colômbia (um balcão cada uma). Fora da América latina, o banco abriu um estabelecimento nos Estados Unidos da América, França, Bélgica e Portugal.

Chegada do River Plate no Recife

A agência do River Plate no Recife foi aberta em 6 de agosto de 1884, situada no número 34 da Rua do Comércio. Essa mesma rua abrigou outros bancos, como o London and Brazilian Bank, Banco de Pernambuco e Banco Popular.

A antiga Rua do Comércio ficava no entorno da Praça do Comércio, na mesma área do atual Marco Zero do Recife. A praça tinha este nome por abrigar a antiga sede da Associação Comercial e Beneficente de Pernambuco, posteriormente demolida. Essa área também era conhecida como Cais da Lingueta.

Informe sobre a chegada do London and River Plate Bank no Recife no Diario de Pernambuco, em 1984

Uma curiosidade é que, um pouco antes do fim do século 19, existia entre as principais províncias um costume de fazer transferências de dinheiro através de navios a vapor, por conta da precariedade do sistema bancário nacional.

As operações dos bancos eram restritas e cautelosas, atendendo mais a movimentos de saques contra o câmbio estrangeiro, alguns descontos em proporções discretas e pequenas atividades de depósitos em movimento, porém a juros baixíssimos, sem oferecer grandes vantagens ao comércio.

De acordo com o historiador Flávio Guerra, em texto para a edição especial do “Diario de Pernambuco” para os 430 anos do Recife, em 1967, a chegada do River Plate “logo satisfez a praça do Recife, passando a contribuir para o revigoramento da reconquista da confiança do recifense, quiçá pernambucano, e até nordestino, no sistema comercial bancário, que dentro de algum tempo, nos primeiros anos do século seguinte, começaria a tomar o vulto impressionante que hoje conhecemos.”

O palacete eclético

London and River Plate Bank, no século passado (Foto do arquivo da Fundaj)

Em 1909, começam as obras que deram ao Bairro do Recife o seu atual traçado urbano e arquitetônico, inspirado nas reformas urbanas de Paris – eram os  “Planos de Melhoramentos e Reforma do Porto e do Bairro do Recife” (1909-1926).

O River Plate adquiriu o terreno do suntuoso prédio da Avenida Rio Branco em 1910, conforme registra a seção “Obras no Porto”, do Diario de Pernambuco: “Fez acordo ontem com a comissão fiscal e administrativa das obras do porto do Recife, o London & River Plate Bank, proprietário do prédio na rua do Comércio.”

O Bairro do Recife em obras (Crédito: Museu da Cidade do Recife)

Os registros na imprensa dão conta de que o River Plate já funcionava no imóvel do Rio Branco em 1918, antes mesmo da finalização das reformas do bairro, oito anos depois.

A instalação de instituições como esta evidenciam o caráter comercial da região. De acordo com Cátia Wanderley Lubambo, terrenos avaliados em 10 mil réis por m² em 1909 passaram a valer 55 mil réis por m² em 1918.

Foto de Henrique Martins, em 1918

Outra curiosidade é que, com a chegada da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), River Plate publicava nos jornais locais anúncios sobre “empréstimos de guerra britânicos”. Essa modalidade existia pois, no contexto de conflito, apenas impostos já não conseguiam cobrir as despesas.

A Grande Guerra, inclusive, interrompeu os padrões habituais do comércio internacional, mas este bano continuou servindo os seus clientes dos dois lados do Atlântico, o que contribuiu para um episódio significativo em 1918, quando o Lloyds Bank Limited, um dos bancos britânicos mais antigos e importantes, adquiriu a maior parte do capital do River Plate. Isso ajudou a fortalecer e estabelecer amplas conexões na Grã-Bretanha e nos países onde o Lloyds estava representado ou tinha afiliadas.

Anúncios sobre empréstimo de guerra britânico no Diario de Pernambuco, em 1918

História que chegou ao Porto Digital

Embora o palacete seja muito lembrado pelo London and River Plate Bank, a verdade é que essa instituição passou pouco tempo por lá. Em 1923, ele se fundiu ao London and Brazilian Bank Limited, que até então era um grande concorrente e tinha agência bem ao lado, no atual prédio da Caixa Cultural Recife.

Do resultado da incorporação das duas instituições, o novo grupo bancário ganhou o nome de “Bank of London and South America”. As atividades se concentraram no prédio da Caixa Cultural, então tornando o imóvel de número 23 da Avenida RioBranco vago para outras finalidades.

Informe sobre a mudança de nome para Bank of London and South American

Na imprensa, registros dão conta que o prédio abrigou, por exemplo, o escritório central da firma Menezes Irmãos & Cia, responsável pela Fundição de Santo Amaro, que prestava serviços para modernização das antigas usinas de açúcar do Estado, como revestimento de moendas, aproveitando dos eixos velhos, construção de máquinas e serviços de caldeirada de qualquer natureza.

Na década de 1930, o trabalhismo de Getúlio Vargas levou ao nobre palacete a Inspetoria Regional do Trabalho, vinculada ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, também conhecido como “Ministério da Revolução”, dada a importância que teve naquela nova gestão federal.

Anúncio da Fundição Santo Amaro no Diario de Pernambuco, na década de 1920

Após um período recebendo atividades da Federação dos Trabalhadores da Indústria de Alimentação, na década de 1950, o imóvel voltou à sua origem bancária ao receber uma agência da Caixa de Crédito Imobiliário de Pernambuco, embrião do Banco do Estado de Pernambuco (Bandepe).

Na década de 1990, o Bandepe levou ao prédio o Espaço Cultural Bandepe, que ajudou na fruição das artes plásticas no Estado. Em 2010, o Santander assumiu esse Centro Cultural, que funcionou sob a batuta do banco privado até 2014.

Uma empresa nascida no Porto Digital também já ocupou o prédio. Em 2018, a startup In Loco, especializada em tecnologia de geolocalização com aplicações em marketing, escolheu a antiga sede do River Plate para ser a sua sede. Na época, o imóvel passou por uma reforma e alguns cofres até foram transformados em salas de reunião. Também foram disponibilizadas visitas guiadas pelo palacete.

Escritório da In Loco em Recife (Foto: In Loco/Divulgação)

Futuro 

Atualmente, existe um projeto para uma nova utilização do prédio, capitaneado pela empresa REC Cultural. Está prevista a restauração e a criação de espaços para a exibição pública de quadros e esculturas, loja, restaurante, café, auditório, biblioteca, laboratório e sala de aula.

Esse projeto, inclusive, foi alvo de controvérsia pela tentativa da construção de um restaurante no formato de Zeppelin no telhado do prédio. A ideia do dirigível foi suspensa após pressão de entidades ligadas à arquitetura e à proteção do patrimônio histórico, mas o projeto segue.

Imóvel de número 23 da Avenida Rio Branco na atualidade (Crédito: Arquivo de Clênio Sierra de Alcântara)

Das movimentações financeiras do River Plate Bank às inovações tecnológicas do Porto Digital, a história do número 23 da Avenida Rio Branco espelha um contínuo entre passado e futuro, onde cada novo ciclo econômico resgata e transforma antigas estruturas.

No próximo texto da série “Memórias no Concreto: História de Prédios do Bairro do Recife”, iremos explorar outro edifício que, como este, ajuda a contar um pouco da rica trajetória desse bairro.

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