O Bairro do Recife é hoje um centro de conectividade, abrigando empresas do campo da tecnologia da informação e da comunicação digital. Esse aspecto informacional já existia na ilha no final do século 19, com a chegada das primeiras empresas de telégrafo à capital pernambucana.
Essa tecnologia consistia em cabos submarinos que atravessavam continentes para transmitir mensagens através de pulsos elétricos que eram traduzidos para textos.
Por quase 60 anos, um prédio ainda de pé abrigou a mais relevante empresa telegráfica da região no século 20: a Western Telegraph & Company, que ficava no atual museu Paço do Frevo, na Praça Arthur Oscar (ou Praça do Arsenal).
O edifício de arquitetura eclética, com quatro pavimentos e 1.733m², é o tema de mais um texto da série “Memórias no Concreto: Histórias de prédios do Bairro do Recife”, publicado pelo Jornal Digital.
A Western Telegraph
O telégrafo mudou radicalmente a forma como as potências econômicas se comunicavam no século 19. No Brasil, ele foi introduzido em 1852, por iniciativa de Dom Pedro II.
O imperador deu a concessão para o empresário Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Contudo, o gaúcho resolveu repassá-la para John Pender, um escocês com larga experiência nesta tecnologia.
Pender fundou as empresas Western & Brazilian Telegraph Company, para cabear o litoral brasileiro, e Brazilian Submarine Telegraph Company (BSTC), para ligar Portugal ao Brasil. Mais tarde, elas se fundiram na Western Telegraph & Company.
O início das operações da Western no Brasil remonta ao ano de 1873, quando foi lançado o primeiro cabo no litoral entre o Rio de Janeiro e a Bahia. No ano seguinte, a empresa iria ligar o Brasil à Europa com um cabo que chegava no Recife.
O primeiro prédio da Western Telegraph na capital funcionava no antigo Cais da Lingueta, área bastante importante do Bairro do Recife que atualmente corresponde à Praça do Marco Zero.
Em Pernambuco entravam no mar sete cabos pertencentes à Western, percorrendo a costa brasileira ao Sul, até Buenos Aires, na Argentina; outras linhas eram traçadas ao Norte, até o Pará.
Destes cabos costeiros, alguns iam direto para as cidades mais importantes, enquanto outros entram em portos menores. De Buenos Aires, o cabo ia diretamente aos Açores, passando pelas ilhas de São Vicente e Granadinas, numa distância de 5822 km, o que tornava-o um dos mais longos do mundo.
Outro cabo saindo de Pernambuco atravessava o Atlântico, passando pelas ilhas de Cabo Verde, São Vicente e Madeira, até Lisboa; neste ponto a companhia Western ligava-se aos cabos da Eastern Telegraph Company, uma associada do grupo de companhias telegráficas aliadas operadas com capital britânico.
O prédio
O atual prédio do museu Paço do Frevo ficou pronto em 1908, no contexto das reformas do Bairro do Porto e do Porto do Recife, que trouxeram inspirações urbanísticas e arquitetônicas da França.
O edifício é um bom exemplo da arquitetura eclética, uma espécie de arquitetura de “transição” entre os séculos 19 e 20, trazendo inspirações de diversas outras escolas.
Um artigo publicado na “The American Magazine“, em maio de 1915, nos permite entender como era o interior do prédio na época em que a Western estava prestes a se mudar.
“A Western Telegraph Company está se preparando para entrar na bela nova sede que também está sendo construída, em comum com muitas das importantes firmas de Pernambuco, desde que começou o ímpeto de melhoria da orla da cidade”, registra a revista.
Quem apresentou o prédio para o repórter foi George Gibbs, o Superintendente da Companhia, exibindo “com orgulho o belo edifício, com seu exterior branco brilhante e seu interior fresco”.
A revista explica que todos os pisos eram marchetados com madeira nobre do Pará, dourada e marrom, e as grandes mesas e escrivaninhas dos escritórios também são feitas de requintada madeira brasileira.
“A disposição desses novos escritórios foi cuidadosamente estudada para obter o máximo de eficiência; existem tubos pneumáticos para transportar mensagens dos balcões públicos para a sala de instrumentos; há uma sala fresca com piso de mosaico onde os meninos mensageiros brasileiros se sentam esperando para levar telegramas sobre a cidade, e um elevador sobe até o segundo andar”, continua.
“A sala do escritório está esplendidamente equipada e, no outro andar, encontra-se a oficina de reparações onde qualquer avaria é rapidamente corrigida”.
O jornalista ressalta como a sala dos eletricistas eram difícil de ser compreendida: “Admiro de todo o coração a magnífica sala de aparelhos no topo do prédio, com suas enormes janelas dando para metade da cidade e seu maravilhoso arranjo de fios passando pelo teto e trazidos em grupos para as diferentes mesas”.
Mensagens do mundo
Em determinado trecho, o texto da “The American” descreve em outra sala estavam as “cavernas de Aladdin”, cheias de segredos estranhos: “Aqui está um armário de aparência inofensiva, mas cheio de fios que estão amontoados aqui com suas mensagens silenciosas de todo o mundo passando por eles”.
“Grandes coberturas em outro lugar pairam sobre um aparelho extraordinário que efetua a duplicação de todas as linhas principais – ou seja, as mensagens podem ser enviadas em cada direção ao mesmo tempo por esse método, por um fio. A sala onde as baterias são guardadas – o verdadeiro sangue dos cabos – surpreende em sua modéstia; não parece possível que esses poucos frascos de aparência discreta sejam realmente os pais de tanta atividade – uma atividade que leva mensagens do outro lado do mundo”.
Esvaziamento
A The Western Telegraph operou em todo o Brasil durante 100 anos. O curioso é que o contrato da época de Dom Pedro II, em 1873, é que dava essa concessão de um século.
O Brasil atravessou um século de diferentes regimes políticos e revoluções, mas cumpriu fielmente o prazo de 100 anos assinado pelo Império com a Western.
As operações foram assumidas pela Telebrás, que a ditadura militar havia fundado um ano antes, já prevendo o fim do contrato.
A negativa da renovação ocorreu por parte da Embratel, que tutelava todos os serviços de telecomunicações do Brasil. Contudo, a Western permaneceu no País através de suas empresas: a Wesstec (de engenharia de sistemas) e Ecodata (comercialização de produtos eletrônicos).
O suntuoso prédio na Praça do Arsenal foi desocupado quando as atividades econômicas do Bairro do Recife já estavam minguando.
Paço do Frevo
A ideia para um museu que contasse a história do frevo, um patrimônio cultural imaterial da humanidade pela Unesco, partiu da Prefeitura do Recife, em 2007, no centenário dessa manifestação.
O projeto do Paço do Frevo foi anunciado em 2009, com investimentos de R$ 8,7 milhões, com realização da Fundação Roberto Marinho. O projeto restaurou as fachadas do prédio e adaptou os seus espaços internos.
Esse é o único museu da capital que funciona com gestão baseada na Lei de Organização Social (Lei nº 9637/1998). Nesse modelo, uma pessoa jurídica de direito privado, qualificada e sem fins lucrativos, irá executar, em parceria com o poder público, atividades voltadas ao ensino, pesquisa, tecnologia ou cultura.
No caso do Paço do Frevo, a organização responsável é o Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), também responsável pela gestão do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, e o Museu das Favelas, em São Paulo.
Em 9 de fevereiro, o Paço do Frevo completou 10 anos comemorando o título de museu público mais visitado da capital pernambucana em 2023, com mais de 150 mil visitantes.
Esse caso exemplifica o potencial de restauração de prédios históricos. Além de preservar a arquitetura e a memória de uma era marcante, o Paço do Frevo ressignifica o espaço, promove acesso à cultura e revitaliza a vida urbana no Bairro do Recife.
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