Por Renato Mota

Quantas criptomoedas você conhece? Certamente já ouviu falar do Bitcoin e até o Ether. Se estiver mais ligado no assunto, está familiarizado com a Dogecoin, Binance, Solana e até Polygon.

Ao todo, existem mais de 12 mil criptomoedas (um número que dobrou entre 2021 e 2022) – como não há barreira de entrada para esse mercado, muitos desenvolvedores criaram suas próprias altcoins para tentar abocanhar uma fatia desse mercado.

Mas existe um tipo de moeda digital que é diferente. Os Central Bank Digital Currency (CBDC) são ativos digitais emitidos por bancos centrais, e que funcionam como uma versão virtual do dinheiro de um país. Com menor volatilidade (por isso elas estão na categoria das “stablecoins”) elas são criadas com um lastro na mesma quantidade do ativo, atrelado em caixa.

Bitcoin, Ether, Dogecoin, Binance, Solana, Polygon. O Real Digital pretende entrar e se destacar nesse grupo de moedas digitais

Moeda digital oficial

Como uma versão virtual da moeda corrente de um país, os CBDC podem ser utilizados nas mesmas aplicações que outras criptomoedas, como fazer compras, realizar transferências ou simplesmente guardar, torcendo pela sua valorização. Os bancos centrais pegam emprestado da tecnologia blockchain a capacidade de processar transações mais rapidamente e ao mesmo tempo com tudo verificado e rastreado em tempo real.

Por outro lado, as moedas digitais dos países abandonam o aspecto descentralizador de criptomoedas como o bitcoin e o ether. São os governos e/ou bancos centrais que emitem, regulam e controlam os tokens – e por isso estão sujeitos, por exemplo, à mesma inflação que acomete o dinheiro “tradicional”.

Atualmente, 12 países lançaram totalmente uma moeda digital: China, Bahamas, Jamaica, Nigéria e oito membros da Organização dos Estados do Caribe Oriental (Antígua e Barbuda, Dominica, Granada, Monserrate, São Cristóvão e Neves, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas e Anguila). Por fora, outros 105 países estão explorando o formato e pelo menos 50 deles estão em fase avançada de desenvolvimento. E é aí que a gente entra.

Made in Brazil

O Real Digital está sendo criado pelo Banco Central, e de acordo com a diretoria do banco, deve começar seus primeiros testes já em 2023. Nesta fase de elaboração, um dos debates gira em torno de qual tecnologia final será utilizada – uma decisão que está sendo analisada junto ao mercado. Também estão sendo feitas simulações de transações para verificação de falhas – tudo que possa ser corrigido antes do lançamento da versão final.

Como todas as criptomoedas, o Real Digital vai operar com base na rede blockchain, com ênfase na possibilidade de desenvolvimento de contratos inteligentes, internet das coisas (IoT) e dinheiro programável.

O BC ainda estabeleceu uma série de diretrizes que terão que ser cumpridas para o nosso dinheiro digital, como a previsão de uso em pagamentos de varejo; a capacidade para realizar operações online (integrado aos sistemas de pagamentos atuais) e emissão pelo BC com a distribuição ao público intermediada por participantes do sistema financeiro, como ocorre hoje com o real em sua forma física.

Por isso, por exemplo, não haverá remuneração com o Real Digital. “Quando você tem, por exemplo, uma nota de R$ 20 na carteira, essa nota não é remunerada, ele não mudará de valor, continuará valendo R$ 20. Do mesmo modo, quando você mantiver o valor de R$ 20 em forma digital parado na sua carteira virtual, esse valor não será alterado”, explica o BC.

Cripto dinheiro para ser usado

O foco do Real Digital (e de todas as CBDC) é o uso no dia a dia, e não ficar guardado esperando seu valor explodir – ou implodir – como outras criptomoedas. É mais um passo para o nossos financeiro se tornar ainda mais digitalizado e mais pessoas sejam inseridas nesse contexto, em contato com novos produtos e serviços.

De acordo com a Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2022, 70% das operações bancárias feitas no ano passado foram feitas pelo computador ou pelo celular. São mais de 119,5 bilhões de transações, 23% a mais do que em 2020. O grande puxador dessa tendência é o PIX, que entre março de 2021 e março de 2022, viu sua base de cadastros crescer em 72% e o número de usuários que pagaram mais de 30 transações por mês cresceu em 809%.

A expectativa do Banco Central é que o Real Digital traga novas possibilidades para o mercado de pagamentos de varejo e promova não só competição no segmento de ativos digitais, como também a inclusão financeira para a população “ainda inadequadamente atendida por serviços bancários”.

Como explicou o diretor de fiscalização da entidade, Paulo Souza, durante a apresentação do Relatório de Estabilidade Financeira (REF), o Real Digital poderá inserir o país em um sistema financeiro cada vez mais tokenizado. “Vai chegar um momento em que teremos o desenvolvimento da tokenização de ativos financeiros. E para você comprar um token digitalizado, obrigatoriamente você terá que ter uma moeda que também seja digital”.

Oportunidades à vista

Inicialmente, com a chegada do Real Digital, grandes bancos terão uma perda nas margens de seus serviços financeiros e na relevância do relacionamento com o cliente, e outras indústrias sofrerão com a maior competitividade com a importação. Mas de acordo com o relatório “CBDC: Os impactos de Central Bank Digital Currencies no mercado mundial”, o crescimento do mercado de crédito para as instituições financeiras, a expansão do ecossistema para oferta de produtos não financeiros, os contratos inteligentes e a implementação de serviços financeiros com IoT serão grandes oportunidades.

“As receitas com tarifas sobre transações e manutenção de contas devem ser substituídas por novas fontes ao longo dos anos, pois CBDCs devem fornecer essas funcionalidades a um custo zero ou mínimo”, avalia a diretora executiva e líder de estratégia para pagamentos da Accenture na América Latina, Edlayne Burr, em entrevista ao Valor Econômico.  

O Real Digital soma-se a outras iniciativas já em curso, como o já citado PIX e o Open Banking, que ampliam a disponibilidade de dados dos usuários para toda a rede, para a criação e a expansão de novos serviços de crédito e investimentos. “Para o governo, um dos principais benefícios de uma CBDC seria a rastreabilidade financeira, facilitando a cobrança de tributos e auxiliando a coibir a criminalidade”, completa Edlayne Burr.