Nos últimos textos, abordamos aqui temáticas envolvendo dados e Inteligência Artificial (IA), acompanhando avanços e ferramentas disponibilizadas ao público. O propósito de hoje é abordar um outro olhar sobre essa “corrida do ouro” da IA: a questão da infraestrutura computacional necessária para impulsionar tanta evolução.

Usamos o termo “corrida do ouro” num paralelo com o que aconteceu na Califórnia, no final dos anos 1840 e no início da década de 1850, quando milhares de pessoas mudaram para a Costa Oeste americana na busca pelo metal após a notícia de que pepitas de ouro haviam sido encontradas em Sierra Nevada. Uma história que se popularizou foi a de Samuel Brannan, um empreendedor que percebendo a oportunidade que se criou com o movimento do garimpo, montou um negócio para vender pás, picaretas e outras ferramentas importantes para a jornada garimpeira.

Sam enriqueceu com o negócio, dando origem à famosa citação: “na corrida do ouro, ganhou dinheiro quem vendeu pás e picaretas”. Estima-se que mais de US$ 2 bilhões, em valor presente, foram extraídos em ouro nesse período, entretanto, muita gente não teve sucesso, indo à falência.

Na corrida pelo mercado de IA, com o boom recente das Generativas, inúmeras empresas estão ampliando os investimentos em infraestrutura para possibilitar o desenvolvimento de soluções. Para tal, uma nova geração de componentes se tornou “o novo ouro” nessa corrida. 

As unidades de processamento gráfico (GPUs) são os principais componentes das placas de vídeo dedicadas. Com as GPUs, processos de treinamento que duravam dias ou semanas podem ser executados em horas ou minutos… Sim, é isso mesmo! Uma mudança radical de velocidade! Isso é possível pois, com essas GPUs, os cálculos são realizados em paralelo e de forma otimizada, acelerando as tarefas de IA.

As GPUs foram criadas, inicialmente, para acelerar e potencializar algoritmos de computação gráfica, sendo utilizadas para jogos de alta definição e na indústria do entretenimento, mais especificamente, no cinema. Entretanto, pesquisadores perceberam que esses hardwares também poderiam acelerar programas em outros contextos, especialmente naqueles onde a demanda de operações matemáticas era elevada.

A GIGANTE DO MERCADO

Vamos abordar o caso da empresa que mais aproveitou essa demanda e hoje é a sexta empresa mais valiosa do mundo, a NVIDIA.

A NVIDIA foi criada em 1993, abriu o capital em 1999 e lançou a primeira placa de vídeo em 2001, a GEForce 256. Desde então, a NVIDIA fez lançamentos na área, com destaque para a plataforma de computação paralela CUDA, uma interface para a programação de aplicações (API) para computação em GPUs. Com a CUDA, programadores em geral puderam usar as GPUs para acelerar o desempenho de suas aplicações, em especial, naquelas com elevadas quantidades de operações matemáticas.

A NVIDIA teve um boom com a geração de algoritmos de aprendizagem de máquina que surgiram na década passada. Esses algoritmos de aprendizagem profunda usam redes neurais de múltiplas camadas e redes neurais convolucionais. O processo de treinamento de modelos que utilizam essas arquiteturas demanda diversas operações matemáticas e pode ser otimizado com o uso de unidades dedicadas. Outro setor que demandou bastante o mercado de GPUs foi o de criptoativos, para mineração de moedas.

Notícias afirmavam que a OpenAI usou em torno de 10 mil GPUs da NVIDIA no treinamento do ChatGPT, o que gerou um frisson ainda maior ao redor da gigante do mercado. Isso repercutiu bastante no aumento da demanda por GPUs da NVIDIA e, consequentemente, no valor de mercado da companhia. 

No mês passado, a capitalização de mercado da companhia ultrapassou a marca de US$ 1 trilhão (isso mesmo, trilhão), atingindo a sexta posição das empresas mais valiosas do mundo segundo o portal Companies Market Cap

As cinco maiores permanecem sendo Amazon, Alphabet, Saudi Aramco, Microsoft e Apple, em ordem decrescente de valor de mercado atual. O gráfico a seguir mostra a evolução do preço da ação das cinco maiores empresas de tecnologia do mundo.

Observamos o aumento dos preços das ações da NVIDIA durante a pandemia de COVID-19, quando houve um aumento da demanda por chips e o impacto de termos a produção de insumos estratégicos restrita a um número reduzido de produtores como China, Taiwan e Coréia do Sul. 

Atualmente, a produção de chips é um dos gargalos para a aceleração da produção de dispositivos eletrônicos, o que tem levado os países a investir na criação de alternativas para a produção de chips e dos insumos necessários para a produção dos mesmos.

Componentes de mineração de moeda criptográfica com placas gráficas e GPU

Em agosto de 2022, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, autorizou um investimento de US$ 280 bilhões visando impulsionar ações de pesquisa, desenvolvimento (P&D) e instalação de indústrias de semicondutores em solo americano. Foram previstos em torno de US$ 52 bilhões em subsídios para empresas da cadeia produtiva de chips criarem plantas em dois estados – Arizona e Ohio – e US$ 172 bilhões para agências federais de ciência investirem em ações de P&D voltadas às área de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM).

A produção de insumos estratégicos é uma questão importante para qualquer nação, principalmente com a tendência de aumento de demanda de produção desses componentes para as indústrias de alta tecnologia como a de carros autônomos, passando pela robótica e aviação.

Atualmente, temos poucas empresas preparadas para produzir as “bolachas” de silício com transdutores nanométricos, o que envolve tecnologia da fronteira do conhecimento. No final das contas, os ativos mais escassos nessa cadeia toda são as pessoas capacitadas a desenvolver e projetar os chips e as unidades de manufatura da cadeia de semicondutores. É importante nos mantermos alertas a essas questões, sob o risco de ficarmos fora das novas ondas produtivas. Mas vamos deixar isso para outro texto.

E como gostamos de encerrar, vão alguns questionamento: quais são os temas estratégicos que envolvem tecnologia e processos que devemos ficar alertas para não sermos excluídos no futuro? Comente lá nas nossas redes sociais!

Fernando Sales é professor do Departamento de Engenharia Biomédica da UFPE e Pesquisador do Porto Digital

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