Um dos conceitos mais populares da franquia ‘Star Trek’ (‘Jornada nas Estrelas’, para os antigos) é o holodeck: uma sala que une projeções holográficas e sintetizadores para dar aos usuários a possibilidade de experimentar praticamente qualquer experiência.
Em ‘A Nova Geração’ (1987–1994) satisfez a vontade de Data em desvendar casos estilo Sherlock Holmes e levou Worf para o Velho Oeste; em ‘Deep Space Nine’ (1993–1999) foi disponibilizada para o público fora da Frota Estelar, nas holosuítes do bar do ferengi Quark; e em Voyager, foi a base do Holograma Médico de Emergência, que substituiu o oficial médico da nave depois que este foi morto.
Infelizmente, fora do universo criado por Gene Roddenberry, não temos nada parecido com isso (só o sintetizador, se bem distribuído, já resolveria o problema da fome no mundo). Mas a ideia do holodeck, dado o seu potencial, é tentadora demais para que as empresas big techs não a busquem com o maior afinco – em especial nos últimos anos, com a aceleração do desenvolvimento de equipamentos voltados para a extended reality (XR).
Você pode não ter ouvido falar ainda no termo XR, mas definitivamente conhece suas ramificações. Extended Reality engloba todas as formas de realidade aumentada (AR), realidade virtual (VR) e realidade mista (MR) que usam dispositivos como óculos, capacetes, luvas e smartphones para criar experiências imersivas que combinam o mundo real com o mundo digital.
- A AR sobrepõe elementos digitais ao ambiente físico, como filtros de redes sociais, jogos e informações. Para muitos, é a próxima evolução da internet, em termos de interface.
- A VR é a tecnologia que cria um ambiente totalmente virtual, no qual o usuário se sente dentro de uma simulação, como em filmes, jogos e treinamentos.
- MR é a tecnologia que mescla elementos de AR e VR, permitindo que o usuário interaja com objetos virtuais no ambiente real, como em hologramas e projeções.
Não à toa, se chama Holodeck a uma plataforma de inovação colaborativa criada pela NVidia (líder de desenvolvimento de processadores para o segmento), que reúne designers, parceiros e companhias no desenvolvimento e exploração de criações em um ambiente VR realista. Fazem parte do projeto a NASA, a Toyota, a CannonDesign e a Koenigsegg Automotive AB, entre outras companhias.
Por enquanto, o segmento vem combinando tentativas ousadas com sucesso relativo, sendo o principal exemplo recente a mudança promovida pela Meta, antiga Facebook, que desde 2021 vem focando esforços na criação de um metaverso compartilhado (e 100% controlado por ela própria) no qual as experiências de XR seriam combinadas com transações em blockchain e interações entre usuários. Há também o caso famoso do Google Glass, os óculos inteligentes desenvolvidos pelo Google em 2013, que teve sua produção encerrada em 2015 suas vendas suspensas definitivamente em março passado.
Mas esses “acidentes de percurso” não impediram, por exemplo, a Apple de anunciar o lançamento do seu próprio óculos de VR/MR, o Vision Pro, um brinquedinho de US$ 3,5 mil que chega em 2024. A Meta recentemente baixou o valor dos seus óculos Quest, a Microsoft segue no desenvolvimento do seu Hololens e o próprio Google já divulgou uma nova aposta no segmento, o Project Iris, que também deve chegar no ano que vem. Quando todas as grandes têm um pezinho na mesma tech, pode ter certeza que algo interessante virá dali.
Segundo a Statista, o mercado global de realidade expandida atingiu US$ 29,26 bilhões em 2022, e pode chegar a US$ 100 bilhões em 2026. Muito além do lazer, suas aplicações são as mais diversas, e vão desde a criação de experiências educativas mais envolventes e personalizadas, como visitas virtuais a museus, planetários e locais históricos, até oferecer diagnósticos, tratamentos e cirurgias mais precisos e seguros, usando imagens tridimensionais do corpo humano e simuladores de realidade virtual. Até no varejo a XR pode ajudar a aumentar vendas e fidelizar clientes, permitindo que eles experimentem produtos e serviços antes de comprar, como roupas, móveis e carros.
Mas a gente falou lá em cima que a XR também enfrenta alguns desafios para sua popularização e democratização. E eles são muitos, como o alto custo dos dispositivos (US$ 3,5 mil, dona Apple?) e da infraestrutura necessária para suportar XR, como conexão de internet de alta velocidade e computação em nuvem. Também falta padronização e regulamentação das tecnologias e dos conteúdos criados em VR/AR, o que dificulta a interoperabilidade entre diferentes plataformas e dispositivos. Sem falar nas questões éticas e sociais relacionadas ao uso de XR, como privacidade, segurança, direitos autorais e impactos psicológicos.
Como destaca o futurista Bernard Marr, em um artigo para a Forbes, “as tecnologias XR coletam e processam grandes quantidades de dados muito detalhados e pessoais sobre o que você faz, o que olha e até mesmo suas emoções a qualquer momento, o que deve ser protegido. Além disso, é essencial que os dispositivos vestíveis que permitem uma experiência XR completa estejam na moda e sejam confortáveis, além de estarem sempre conectados, inteligentes e imersivos. Existem problemas técnicos e de hardware significativos a serem resolvidos que incluem, mas não estão limitados à tela, energia e temperatura, rastreamento de movimento, conectividade e iluminação comum – onde objetos virtuais em um mundo real são indistinguíveis de objetos reais, especialmente quando a iluminação muda”.
A tecnologia XR está se desenvolvendo como uma forma revolucionária de nos conectarmos com o mundo, com potencial de proporcionar benefícios surpreendentes para a qualidade de vida das pessoas e a competitividade das organizações. Ela permite criar experiências imersivas e interativas que ampliam nossas possibilidades de aprendizagem, entretenimento e trabalho, mas ela também demanda cautela para assegurar seu uso ético e sustentável.
Por isso, é fundamental que todos que estão envolvidos na criação, na distribuição e no consumo dessa tecnologia tenham consciência dos seus benefícios e dos seus riscos, e que não só protejam a privacidade e os dados pessoais dos usuários, como garantam a segurança e a qualidade dos produtos e serviços.
A promoção da XR pode ser um motor de acessibilidade e a inclusão para usuários com diversos perfis, oferecendo opções de adaptação, personalização e acessórios que atendam às necessidades e preferências de variados públicos, especialmente aqueles com deficiências ou limitações. Porém, assim como no caso da Inteligência Artificial, é essencial respeitar a diversidade e a pluralidade dos usuários, evitando discriminar, estigmatizar ou ofender grupos ou indivíduos por motivos de gênero, etnia, raça, orientação sexual, religião, classe social ou outros.
Renato Mota é jornalista, e cobre o setor de Tecnologia há mais de 15 anos. Já trabalhou nas redações do Jornal do Commercio, CanalTech, Olhar Digital e The BRIEF
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