Por Ricardo Neves, CEO da NTT DATA

Ricardo Neves é recifense e atualmente é CEO da NTTData, multinacional japonesa recentemente embarcada no Porto Digital

Um bom futuro é feito de sonhos manifestos por meio de muito trabalho. Há algumas semanas, tive o privilégio de testemunhar a concretização de um sonho dos grandes, concebido por conterrâneos (de nascimento ou coração) no Recife há mais de 20 anos. Porto Digital é o nome deste sonho que tem muito, muito a inspirar a transformação econômica e social do Brasil, de ponta a ponta, de forma multidisciplinar.

Sei que a maioria aqui já deve ter ouvido falar do Porto Digital como um polo ou ecossistema urbano de inovação tecnológica, porém essa exitosa iniciativa vai muito além disso. Para mim, o Porto Digital é como um Movimento Armorial, fundado pelo inigualável Ariano Suassuna, congregando diversas facetas de desenvolvimento humano como o social, o empresarial, o tecnológico, o arquitetônico, o acadêmico, o cultural, o artístico e etc.

Criado sob o desejo em preservar e ressignificar o espaço histórico do Recife Antigo, que perdeu sua função original portuária com a inauguração do Porto de Suape, busca gerar desenvolvimento de forma integral e principalmente sustentável, com base numa visão holística e transcendental da tecnologia e do ser humano em toda sua amplidão.

O Porto Digital é um parque tecnológico urbano e aberto no Recife que abriga mais de 350 empresas

Hoje quero contar um pouco mais sobre esse sonho, do qual começo a sonhar junto, dada a inauguração do escritório da NTT DATA por lá, há algumas semanas, quando conheci o prefeito João Campos, jovem entusiasta da iniciativa e muito mão na massa para “fazer acontecer” para a população do Recife.

Como um daqueles sonhos vívidos, quase surreais, muitos personagens se encontram no Porto Digital. Há, claro, o gênio da inovação, há o jardineiro, o arquiteto ligado aos monumentos históricos, há o PHD, há a cozinheira e o estudante de escola pública, há o artista, há o prefeito. Como o Porto Digital está no Brasil, há também aqueles ainda excluídos das possibilidades e que observam e podem ser observados pelas janelas… Eles também têm sido convidados a participar deste sonho que, de olhos bem abertos, vem se mostrando uma inspiradora e replicável possibilidade para outras cidades brasileiras.

Entre os seus idealizadores está o seu eterno “cientista-chefe” e, como Ariano, um também irreverente taperoense, Silvio Meira. Ele e sua trupe costuraram sonho e realidade de forma orquestral e tornaram o Porto Digital uma política de estado, ou seja, não se trata mais da iniciativa de uma ou algumas pessoas, mas um compromisso conjunto da sociedade civil e do poder público. E não apenas deles. Ser política de estado significa que as gestões podem mudar, como devem mudar num sistema democrático, mas as iniciativas seguem independentemente dos partidos eleitos.

Silvio Meira foi um dos principais responsáveis pela criação do Porto Digital

Meira, e as pessoas que foi engajando na jornada, promoveram o encontro das universidades, das empresas e do poder público, num conhecido e bem-sucedido modelo do “Triple Helix”, como se dá em centros de excelência de inovação no mundo, Vale do Silício, Israel e por aí vai. E sonhou para o longo prazo. Assim que abriram os olhos para começar o trabalho de realização do Porto Digital, a meta já era de 50 anos de trabalho. De cinco empresas e 46 pessoas em 2000, hoje o Porto Digital reúne mais de 350 empresas e 18 mil profissionais (600 deles com PhD!). A ambição é chegar a mil empresas e mais de 50 mil empregados no ecossistema em 2050! 

Essa é a única forma de ser realmente bem-sucedido, ou seja, ser sucedido após a atuação de seus fundadores. E coloca bem-sucedido nisso! Recentemente, por exemplo, uma empresa gestada no Porto Digital, a Neurotech, foi vendida à B3 por R$ 1,1 bi. A empresa tem mais de 300 funcionários sendo que mais da metade é composta por pessoas com doutorado na formação.

Os resultados deste sonho são mensuráveis e estão todos colocamos de forma simples
e transparente no site da instituição, que convido você a visitar (www.portodigital.org). Uma aula de como um sonho sonhado pode virar realidade e mudar a vida de muita gente. As conquistas e iniciativas de ampliação não param.

No contexto da preservação do patrimônio histórico, para se ter uma ideia, já foram restaurados mais de 138 mil m² de imóveis históricos. O Recife Antigo, outrora abandonado, ganhou uma nova vida a partir dessa iniciativa, com arquitetura Retrofit abrigando muitas das empresas, que faturaram juntas em 2022, mais de R$ 5 bi.

Ao sediar várias instituições de ensino superior, como SENAC e CESAR School, o ecossistema entende que a formação e qualificação de profissionais é chave para a continuidade do seu progresso. Para isso, a Prefeitura, em parceria com o Porto Digital, tem o programa chamado de Embarque Digital, com o qual dá acesso a estudantes da rede pública e custeia graduação nas escolas de tecnologia da cidade, inclusive com 50% das bolsas para pessoas negras ou pardas.

Hoje, Recife já tem a maior formação per capita em tecnologia do Brasil, com 450 pessoas por ano chegando ao mercado, formadas para essa indústria com alta demanda de mão de obra. O Embarque Digital almeja praticamente dobrar esse número nos próximos anos!

A inserção dos menos favorecidos que vivem literalmente à margem de toda essa revolução também faz parte do processo de ampliação do impacto social do ecossistema Porto Digital. Lançado recentemente, o Programa Pilar Universitário propõe-se a prover gratuitamente ensino superior em diversos cursos a todos das mais de 350 famílias da pobre comunidade do Pilar, que fica dentro do perímetro geográfico do Porto Digital. Desta forma, os vizinhos do Porto Digital também poderão participar efetivamente do progresso que assistem acontecer da janela de suas casas.

Como tudo em minha terra, o lúdico, o popular e artístico se misturam ao sisudo âmbito empresarial e de negócios. O REC’n’Play, festival anual promovido pelo Porto Digital, com participação de especialistas e público em geral, contempla quatro dias de palestras, debates, shows, rodadas de negócios, instalações artísticas, experiências tecnológicas e muito mais. Chamado de “Carnaval do Conhecimento”, trata-se do maior festival de experiências inovadoras a céu aberto da América Latina.

Foi emocionante estar em minha cidade natal e enxergar um ecossistema tão avançado como o Porto Digital. Eu fiquei me perguntando se teria saído de lá, caso existisse há 30 anos. Respondi que sim, pois sou do tipo de gente que sempre quis ver o mundo com os próprios olhos. Migrei para São Paulo e depois para os Estados Unidos. Como no painel do pintor Cícero Dias, “Eu vi o mundo… e ele começava no Recife”. Tendo visto a evolução e potencial do Porto Digital, sinto que hoje posso voltar e contribuir com o desenvolvimento de um belo sonho para a cidade onde eu nasci!

Saí de lá após a inauguração do escritório da NTTData, cheio de vontade em ajudar a mostrar o Porto Digital para o resto do Brasil, já que a realização desse sonho é um excelente exemplo do que mais acredito no mundo: como a educação e o trabalho podem ser revolucionários!

Então, você que me lê, estou à disposição para conectá-lo ou conectá-la a este sonho.

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