Alice Pataxó começou sua trajetória como ativista aos 14 anos. Depois, passou a postar, em uma conta pessoal, curiosidades e modos de vida do território onde vivia. Pertencente à etnia Pataxó e atualmente moradora do território da Aldeia Craveiro, no município do Prado (Costa das Baleias, no sul da Bahia), a jovem conta que já era engajada em outros movimentos estudantis, mas, quando precisou enfrentar a força policial em conflitos territoriais, percebeu a sua missão como comunicadora. “Ali, me dei conta de que a minha luta não poderia parar”.

Para ela, a sua missão vem desde os seus ancestrais e gira em torno da luta pela sobrevivência e da manutenção da vida (“Algo que nos proibiram muitas vezes”). Houve a vez de outros lutarem: “esta é minha vez”, pontuou ela, puxando para si a responsabilidade.

No REC’n’Play, Alice Pataxó debateu com Beatriz Castro, repórter da Rede Globo – Crédito: Iran Luna

Na internet, Alice aborda de maneira dinâmica e leve o prejuízo à cultura brasileira causado pela colonização; cobra posicionamentos políticos, sociais e ambientais, como no caso do desmatamento; mostra curiosidades a respeito da vida na aldeia e traz explicações sobre costumes.

Diz que quer transformar o sentimento de piedade das pessoas pelos indígenas em sentimentos positivos, bonitos, que retratam uma realidade também compartilhável. Isso porque, pondera, o senso comum parece achar que os movimentos indígenas vivem de choro, quando é o contrário. “Eu gosto muito de lembrar isso porque, toda vez que a gente sai para a luta, a gente vai cantando, rindo, brincando”. É uma imagem muito diferente daquela imagem padrão de sofrimento, que provocaria a piedade das pessoas, e é esta resistência e beleza que seu povo tem buscado mostrar.

A massa dos 172 mil seguidores de Alice Pataxó somente em uma das redes sociais é formada por pessoas não-indígenas – ela crê. Tem inclusive personalidades, como o compositor Chico Buarque. Na sua visita ao Festival REC’n’Play, frisou que, mesmo muito atacada e destruída, a cultura indígena ainda é muito diversa e hoje ainda sobrevive por meio de 305 povos distribuídos no Brasil, que usam 105 línguas diferentes. 

Em entrevistas e quando conversa com a plateia atenta, formada por pessoas que olham para ela quase sempre com um misto de admiração e entusiasmo, Alice lembra que é preciso deixar de lado a ideia de que os indígenas vivem apenas de artesanato. Antigos preconceitos também precisam ser revistos.

A ativista foi conheceu a escola pública localizada na comunidade do Pilar e participou de um podcast – Crédito: PC Pereira

Entre os comentários ou suposições que mais a incomodam sobre seu povo estão aquelas que se referem ao indígena como “ladrão de terra” e “aborígenes”. Outros, dizem respeito aos comentários indevidos que questionam a identidade indígenas de alguém pelo uso de roupas, de aparelhos tecnológicos ou ainda pela orientação sexual. “Isso é tudo que mais detesto”.

Ainda são muitos os entraves para ampliar o movimento de comunicação indígena, do qual o celular é principal meio, mas Alice Pataxó destaca que o cenário de hoje é muito melhor do que aquele visto em alguns anos, em que muitas das localidades indígenas sequer tinham energia nem sinal de internet. “Estamos nos conectando aos poucos”.

Segundo ela, o momento é de construção e de aproveitamento de oportunidades. E esse mantra serve para além dos territórios indígenas. “Estamos fazendo por nós mesmos primeiro, depois vamos aos nossos territórios e depois a gente leva para fora. Isso tudo é muito importante, inclusive fazer ligação entre esses movimentos”, frisou. Sobre o Recife, Alice já avisou: quer voltar porque anda apaixonada pela cidade e pelas possibilidades de conhecimentos que ela lhe ofereceu.

Pessoas + Tecnologia

Personagem de ponta nesse movimento, Alice aponta para uma tendência nova e muito promissora, composta por influenciadores digitais engajados socialmente. Ela trata a produção de conteúdo como um trabalho sério.

Hoje, cursa Bacharelado Interdisciplinar de Humanidades na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), pretende se tornar advogada e tem inúmeros sonhos, como a maior parte dos jovens. Um deles é ver a construção de uma universidade para indígenas. Acredita ser algo distante, mas diz ser um sonho feliz e no qual acredita.

No videocast abaixo, você pode conhecer mais sobre a ativista:

Por enquanto, aposta no celular como motor de aceleração e formação de consciência social e cultural. E frisa: o uso da tecnologia vai muito além de possuir um smartphone. “A gente pode produzir junto com a tecnologia”, acredita.

O Festival REC’n’Play foi desbravado por Alice Pataxó de forma integral: ela circulou entre estandes, concedeu entrevistas, ouviu palestrantes. Em um dos seus depoimentos em entrevista, resumiu: “Eu amo tudo que a gente tem proposto aqui: isso de como colocar as pessoas num espaço de conversa e de debate, onde a gente pode construir outras ideias. A gente pode discordar e mudar de ideia também. Isso é um movimento e eu estou muito feliz em vê-lo acontecer”.

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Silvia Bessa é jornalista. Gosta de revelar histórias que se escondem na simplicidade do cotidiano. Venceu três vezes o Prêmio Esso e tem quatro livros publicados

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