No nariz, um aíptxuy posicionado transversalmente na parte inferior interna das narinas chamava a atenção das pessoas quando a moça franzina de cabelos longos transitava nas ruas do Bairro do Recife durante o REC’n’Play 2023, ocorrido de 18 a 21 de outubro. O osso de búfalo usado por Alice Pataxó era mais que um indicativo da origem dela ou mesmo da identidade cultural do povo indígena. O aíptxuy significa a maturidade da criança que acabou de passar para a vida adulta e ainda o indivíduo dentro de um espaço coletivo.

A jovem ativista baiana de 22 anos defende a causa indígena – Crédito: Viktor Feitosa

De passagem pelo Recife, conhecendo o Porto Digital e imersa na agenda do Festival, Alice, a jovem ativista baiana de 22 anos que ganhou fama mundial, usava o adereço com apropriação e orgulho, complementado por visual com rosto pintado e usando uma gola ou um cocar de penas azul petróleo. Mostrava-se agigantada e o aíptxuy lhe caia muito bem, sobretudo ao se considerar o sentido mais amplo dele.

Durante o evento, Alice foi tratada pelo público como a celebridade que é e cumpriu com maestria o papel motivador, encorajando centenas de outros jovens que foram lhe ouvir, tirar fotos ou buscar informações sobre o trabalho dela nas redes sociais.

Indicada como uma das pessoas mais inspiradoras de 2022 no ranking da inglesa BBC, Alice Pataxó dedicou-se a divulgar o movimento global pela comunicação e a tecnologia como facilitadora dessa comunicação. Ela participou do REC’n’Play como curadora de algumas mesas de debates e como palestrante.

Grande parte das suas falas foi – assim como seu trabalho vem sendo – baseada no poder da comunicação e no uso das redes sociais como instrumento de posicionamento político e ambiental ou como difusora de hábitos ou modo de vida das aldeias. Costuma ser eficiente e popular. Conta com 172 mil seguidores somente no Instagram e tem vídeos que ultrapassam 2,5 milhões de visualizações. 

“Além das nossas tecnologias culturais e ancestrais, hoje também contamos com o acesso às tecnologias. Isso é muito importante porque criamos uma conexão assim absurda com o mundo inteiro. Isso nos possibilita mostrar as nossas estruturas, mostrar outros espaços ocupantes”, disse, abrindo portas para que o mesmo instrumento seja aplicado a outros ambientes e atenda a outras necessidades. Alice Pataxó se dizia encantada e feliz com as possibilidades de somar aprendizados e com as conexões linkadas após a sua participação nas agendas do REC’n’Play.

Durante o evento, ela foi tratada pelo público como a celebridade que é – Crédito: Viktor Feitosa

Tendo iniciado sua vida de ativista em grêmios e movimentos estudantis e indígenas, Alice Pataxó foi descobrindo nos últimos oito anos seu potencial e as brechas por onde poderia correr mais solta. Encontrou espaço na internet, primeiro com a criação de um blog. Depois, usando redes sociais. Hoje as reconhece como “um megafone”, um “baita canal de encontros” para troca de experiências.

Figura de destaque onde quer que esteja pela força de seu brado retumbante para um Brasil com protagonismo social e político, Alice faz questão de fazer um chamamento à juventude para que se engaje mais em projetos semelhantes – em que a comunicação e a tecnologia ampliem mundo afora o grito dos silenciados.

Pelas redes sociais, no Recife e em entrevistas concedidas no último ano, esse alerta é repetido de maneiras diversas por ela. Algumas vezes, cita a sabedoria dos ancestrais para lembrar que “Não se pode formar cacique da noite para o dia”. Por isso, a construção do movimento comunicacional, liderado por jovens como ela, precisa ser contínua. 

Alice Pataxó visitou a Comunidade do Pilar, onde gravou uma entrevista – Crédito: PC Pereira

A Pataxó vem contando com o reconhecimento e o relevante apoio de personalidades internacionais na luta por direitos humanos e ambientais. Basta reforçar que a indicação dela para entrar na lista da BBC foi feita em grande estilo por outra ativista muito jovem, Malala Yousafzai – paquistanesa que defende o direito à educação para mulheres.

Em uma defesa acalorada pelo nome da baiana, Malala disse: “Tenho tanto orgulho em indicar a Alice Pataxó para o BBC 100 Women deste ano. O compromisso inabalável da Alice na luta que envolve mudanças climáticas, equidade de gênero e direitos indígenas me dá esperança de que um mundo mais igualitário e sustentável esteja ao nosso alcance”, escreveu Malala, vencedora da edição de 2021.

Naquele ano de 2022, quando foi indicada, Alice iria participar da 26ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 26), ocorrida em Glasgow, na Escócia, e ainda receber homenagem do troféu Transforma MIAW, destinado a pessoas que impactam positivamente a sociedade.

Continuação da série VOZES DO REC’N’PLAY com Alice Pataxó

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Silvia Bessa é jornalista. Gosta de revelar histórias que se escondem na simplicidade do cotidiano. Venceu três vezes o Prêmio Esso e tem quatro livros publicados

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