Se você é um consumidor assíduo de redes sociais, isso já deve ter acontecido com você (porque já aconteceu comigo, mais de uma vez): entrar em contato com um trecho de vídeo ou série, na sua timeline, e ficar com muita vontade de ver as partes seguintes ou correr para o streaming mais próximo para ver a produção completa. Os criadores de conteúdo nessas plataformas, em especial o TikTok, já perceberam a eficácia disso desde o tempo do “dá like para a parte 2”, mas agora são os grandes estúdios que querem a parte que lhes cabe deste latifúndio do entretenimento.
A Paramount, no “Dia de Meninas Malvadas” (3 de outubro, se você não é fã dessa obra-prima), inovou ao carregar o filme de 107 minutos no TikTok em 23 partes. A Peacock seguiu o exemplo, disponibilizando o episódio-piloto da série “Killing It” na plataforma antes da estreia da segunda temporada, alcançando mais de sete milhões de visualizações. Essa tendência aponta para uma nova era da televisão, onde a Gen Z busca entretenimento nos espaços virtuais em que já estão imersos.
A busca por “filmes completos no TikTok” resulta em conteúdos com mais de 1,4 bilhão de visualizações. Ao mesmo tempo, a TV a cabo está em declínio, especialmente entre os jovens, que mostram pouco ou nenhum interesse em assinaturas. Em 2022, 43,4% das casas com televisores no Brasil possuíam serviços pagos de streaming, representando 31,1 milhões de lares. Em contraste, apenas 27,7% dos domicílios com TV contavam com TV a cabo, somando 19,8 milhões de endereços – um número que chegava a 33,9% em 2016.
À primeira vista, assistir a um filme ou série no TikTok, buscando clipes de um minuto postados em ordem aleatória, pode parecer impraticável e pouco prazeroso. No entanto, essa nova forma de consumo audiovisual tem um apelo único. A comunidade do TikTok oferece uma dimensão social à experiência, com usuários discutindo os programas na seção de comentários.
Estaria o TikTok redefinindo a experiência cinematográfica, adaptando-a à era da atenção reduzida? Bobby Duffy, professor de Política Pública no King’s College London, em entrevista ao Dazed, contesta essa ideia. Segundo ele, não há evidências de que os jovens de hoje tenham uma capacidade de concentração menor. Ele sugere que essa tendência reflete mais sobre o design viciante de plataformas como o TikTok do que sobre a capacidade de atenção da geração mais jovem. No entanto, ele reconhece que assistir a clipes fragmentados pode limitar a profundidade de compreensão e a conexão com um conteúdo mais elaborado.
Muitas vezes, as contas que postam filmes em partes criam uma antecipação serializada, semelhante aos threads do X (antigo Twitter). Esse formato serializado raramente permite que os espectadores assistam ao filme inteiro no aplicativo, mas sim destaca cerca de 10 minutos dos momentos mais emocionantes. Além disso, a maneira como os conteúdos são postados permite que os usuários evitem as partes entediantes. Essa abordagem tem encontrado eco especialmente entre os fãs de reality shows, conhecidos por suas longas tramas secundárias. Alguns usuários relatam que conseguiram acompanhar séries inteiras apenas por clipes, formando opiniões e permanecendo atualizados com as piadas e memes, sem se sentir deslocados.
Contas do TikTok dedicadas a compartilhar clipes de filmes têm seguidores na casa dos milhares, provando que não é uma microtendência ou fenômeno isolado. O usuário @LoveTVClips, com mais de 11 mil seguidores, postou cerca de 300 trechos da série “Emily em Paris” antes de retirar o conteúdo do ar. A conta @user350687238142, que se intitula “Movie Club” compartilhou trechos da segunda temporada de “The White Lotus”, com o primeiro clipe atingindo mais de 312 mil visualizações.
Assim, o TikTok, com seu aumento explosivo de tempo de uso, está competindo diretamente com serviços tradicionais de entretenimento em vídeo. A “segunda tela” agora é frequentemente um dispositivo móvel, com muitos argumentando que ele se tornou a “primeira tela”, especialmente entre a Gen Z e os millennials.
Em uma jogada estratégica, a rede está expandindo seu alcance para as salas de estar, lançando sua plataforma em smart TVs em vários países. Essa expansão oferece uma nova maneira de assistir a conteúdos virais, colocando-os lado a lado com séries tradicionais na grande tela. Isso não apenas diversifica o público do TikTok, mas também reflete uma mudança na forma como o conteúdo gerado pelo usuário é percebido e consumido. Muitos jovens sentem-se mais conectados a uma comunidade ao assistir conteúdo gerado por usuários.
A experiência interativa de assistir shows no TikTok, onde se pode ler e deixar comentários, oferece um novo nível de engajamento que os serviços de streaming tradicionais ainda lutam para alcançar. A tendência sugere que as gerações mais jovens estão se voltando para aplicativos sociais como o TikTok para se entreterem com conteúdo de vídeo. E, na verdade, o formato original ou a tela pretendida podem ser secundários às preferências de visualização que o TikTok satisfaz, onde plataformas tradicionais de entretenimento, pelo menos por enquanto, ficam aquém.
É claro que estamos testemunhando uma revolução no consumo de entretenimento, onde o TikTok não é apenas uma plataforma para conteúdo efêmero, mas também um espaço para a reimaginação e redescoberta de filmes e séries. Esta evolução reflete não apenas mudanças na tecnologia e no comportamento do consumidor, mas também uma transformação fundamental na maneira como a narrativa visual é consumida e apreciada pela geração emergente.
Apesar das possíveis vantagens, existem preocupações sobre a segurança, especialmente quando se trata de crianças assistindo ao TikTok na TV. Pais e especialistas em segurança infantil expressam preocupações sobre a facilidade de acesso a conteúdos potencialmente inapropriados. No entanto, o TikTok afirma que sua tecnologia de moderação e equipes de trabalhadores humanos estão trabalhando para garantir que os vídeos que violam seus termos de serviço sejam removidos.
O TikTok está redefinindo o entretenimento, adaptando-se aos hábitos e preferências da geração mais jovem. A plataforma não apenas capitaliza sobre a tendência de consumir conteúdo em fragmentos, mas também está se tornando uma experiência compartilhada nas salas de estar ao redor do mundo. Essa evolução aponta para um futuro onde a forma tradicional de consumir filmes e séries pode coexistir com novas maneiras de engajamento e interatividade, oferecidas por plataformas sociais inovadoras como o TikTok.
Renato Mota é jornalista, e cobre o setor de Tecnologia há mais de 15 anos. Já trabalhou nas redações do Jornal do Commercio, CanalTech, Olhar Digital e The BRIEF
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