Já não cabia mais naquele espaço de regras militaristas, de sapatos bem polidos, ordens, cabelo cortado com exatidão, farda branca vincada e pensamentos críticos silenciados. Thiago André, carioca da Baixada Fluminense, deixou a Marinha 14 anos depois de ter realizado o sonho de ingressar na corporação, influenciado pelas conquistas do tio Paulão.
Thiago não era mais o menino quando decidiu sair da Marinha; passava dos 30 anos quando anunciou no LinkedIn que deixara de ser sargento por opção. Era um sonho acalentado há sete anos. Tornou-se ali publicamente um contador de histórias, assumindo a autoria do àquela altura bem sucedido História Preta (fundado em 2019), podcast criado e produzido por ele que até então tinha autoria e identidade mantidas em sigilo.
Foi a sensação de inquietude que lhe tirou do caminho das Forças Armadas; e o podcast serviu como instrumento de comunicação e educação que lhe deu a projeção e reconhecimento sobre seu trabalho. Inovou no uso de uma ferramenta tecnológica, na linguagem, no propósito de disseminar a história do Brasil, e conquistou reconhecimento nacional pela sua contribuição para um debate social necessário. Esta experiência multiplicadora o levou a um lugar de destaque na quinta edição do REC’n’Play.
No festival, Thiago parecia onipresente: como entrevistador bom que é (foi assim quando guiou a participação do músico Marcelo Falcão), como palestrante, como participante e inspiração. “O REC’n’Play existe também para deixar um legado de conectividade, de tecnologia, de inovação, economia criativa para cidade e de conexão entre as pessoas”, disse ele.
No Festival, ele parecia exemplificar como era possível mudar o destino, recomeçar e ficar confortável consigo e com seus valores. Em seu processo de autorreconhecimento, a formação acadêmica teve papel determinante. A universidade foi um novo mundo para Thiago. Lá entendeu o seu lugar no mundo como pessoa negra e percebeu ainda mais os contrastes do País.
Ele estudou História na Universidade Federal de Pelotas (RS), curso que concluiu em 2013. Lá, ele resolveu dar vida às suas inquietudes políticas e sociais. Com o projeto do Podcast (História Preta – Podcast (historiapreta.com.br), descobriu-se “pensador, falador, contador de histórias”.
Na Marinha, sua trajetória foi bem sucedida, como imaginou ser um dia enquanto olhava com admiração para o tio Paulão – homem que se destacava na família pelo salário, pelo respeito conquistado na cidade de Nova Iguaçu (RJ), por morar no Centro, e por alcançar sonhos antes inimagináveis, como ir à Disney e presentear o sobrinho com uma fita cassete abraçando o Mickey. Thiago sonhou ao máximo e avalia que conquistou o máximo.
Continuação da série VOZES DO REC’N’PLAY com Thiago André
Inovação em nome da memória negra
O lugar de um homem negro no mundo contemporâneo
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Silvia Bessa é jornalista. Gosta de revelar histórias que se escondem na simplicidade do cotidiano. Venceu três vezes o Prêmio Esso e tem quatro livros publicados
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