Indispensável no verão do Nordeste, o banho de mar era mais associado à saúde do que ao lazer até meados do século 20. Isso não impossibilitou que o Recife tivesse, ainda no século 19, empreendimentos voltados para essa finalidade, sendo o maior exemplo o Grande Estabelecimento Balneário de Pernambuco, popularmente conhecido como “Casa de Banhos” e localizado nos arrecifes próximos da antiga Ponte Giratória.
Este estabelecimento tornou-se um ponto turístico bastante conhecido, sendo frequentado por visitantes estrangeiros e estando presente em um cartão postal vendido na antiga Livraria Contemporânea, localizada em Santo Antônio, ao lado do Mercado de São José e da Estação Central.
O banho de mar em balneários tornou-se uma tradição na Europa no século 19, sendo logo importado para o Recife. A estrutura de madeira e ferro da Casa de Banhos ficou pronta em 1880 para ser a moradia de Carlos José de Medeiros, que precisou pedir autorização do Governo para construir a residência nos arrecifes.
Tendo em vista a popularização do banho de mar, que já ocorria (com menos pompa) na Praia do Brum, ele passou a explorar comercialmente o espaço, transformando os cômodos em hospedaria para fins medicinais.
De acordo com o escritor Mário Sette, a construção “lembrava um navio sem mastro, com suas janelas ‘camarotes’, com seus terraços de convés, um para o rio e outro para o Atlântico.”
“Todas as bacias devem ser circuladas por balaustradas de ferro, de modo a oferecer pontos de apoio aos banhistas e assim preservá-los de queda. Do lado interno do recife vai ser preparada uma bacia de natação, sendo o seu espaço circulado por alto gradil de ferro, a fim de evitar que para seu interior passem peixes daninhos”, registrou o jornal Diario de Pernambuco, já em 7 de setembro de 1880.
Época de esplendor
A virada do século 19 para o 20 foi o auge da Casa de Banhos. As classes mais abastadas tomaram gosto pela atividade, transformando o espaço em um ambiente de socialização. Os quartos possuíam acomodações para mais de 200 pessoas e muitos banhistas faziam de lá a sua residência de verão, alugando pequenos apartamentos.
Para chegar até o estabelecimento, era necessário o uso de lanchas e botes. As piscinas se enchiam de homens, mulheres e crianças, que gozavam as delícias dos banhos de mar.
Em 1902, já comportava 350 banhistas, com 102 compartimentos próprios, um grande salão de refeições com louças inglesas, duas salas, um gabinete de leitura e outras dependências. A propaganda da época chegava a ressaltar que o valor da pensão nunca seria superior à exigida pelos principais hotéis da cidade.
“As roupas utilizadas para os banhos eram feitas de baeta (tecido felpudo de lã) e os calções estendiam-se até os joelhos. Um estrangeiro, certa vez, pretendendo tomar banho usando uma sunga na Casa de Banhos, causou um protesto tão grande que foi necessário a intervenção do gerente “em nome da moralidade”, diz Lúcia Gaspar, em texto da Fundação Joaquim Nabuco.
Declínio da Casa de Banhos
Já na década de 1920, registros em jornais relataram cheiro de carne podre vindo do restaurante e queixas de falta de grades no lado exterior do tanque sul, tornando o ambiente insegurança para as mulheres e as pessoas que não sabiam nadar.
Nessa época, o descendente de ingleses Sydney Albuquerque Galvão Rhodes assumiu como superintendente e já em 1923 torna-se proprietário. Ele realizou novas reformas e abriu assinaturas de no mínimo um mês.
Com as reformas, também subiram os preços, com reajuste de 25%. Em contrapartida, para que os enfermos não deixassem de usufruir das benesses do banho de mar, o então governador Dantas Barreto tornou obrigatório e gratuito banhos diários para 20 doentes pobres da Santa Casa de Misericórdia do Recife.
Em uma tentativa de manter o espaço movimentado, Rhodes criou iniciativas como o chá dançante aos domingos à tarde, com taxa de ingressos apenas para os homens. Também eram realizados almoços e jantares especiais para autoridades que desembarcaram no Porto.
O incêndio
Ironicamente, o fim da Casa de Banhos ocorreu com um incêndio – mesmo o local sendo totalmente rodeado de água. Em 2 de julho de 1924, o Diario de Pernambuco detalhou o ocorrido:
Pela tarde, um motor de energia foi acionado próximo de latas de gasolina, ocasionando uma explosão. “Os 21 bombeiros acionados usaram duas grossas mangueiras com 200 metros de comprimento cada, conseguindo retirar parte da mobília e objetos de adorno. O fogo só foi extinto às 16h30 […] A Casa de Banhos foi inteiramente destruída pelo fogo, ficando somente de pé uma sala coberta de telha.”
Nos dias seguintes, Rhodes chegou a publicar notas informando que iria reconstruir o local, o que nunca ocorreu. Apesar da tragédia, é provável afirmar que a Casa não duraria muito, pois o incêndio ocorreu no mesmo período da abertura da Avenida Boa Viagem, quando os recifenses conheceram as belezas da Zona Sul – a Praia do Brum, por exemplo, logo foi esquecida.
Atualmente, próxima a antiga Casa de Banhos existe uma placa, mal conservada, resumindo a história do espaço. Ainda é possível ver as suas ruínas na Avenida Brasília Teimosa, ao lado de um restaurante do mesmo nome, Restaurante Casa de Banhos”, também conhecido como “Bar do Dique”.
Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio
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