Para se referir à morte do cantor e compositor Chico Science, em 1997, o empresário recifense Artur Sá usa um eufemismo: ele adota a palavra “a perda” como substituta para a tragédia que calou o ídolo. Chico era um expoente do movimento cultural Manguebeat, que surgiu em Pernambuco e explodiu em todo o país. Estimulado pelo irmão Rodrigo, Artur era um fã de 15 anos de Chico: “Essa perda dele é ainda hoje algo insuperável para mim”. Artur Sá fez do Manguebeat e dos seus líderes, como Chico Science e Fred 04, uma inspiração profissional. “Acho que, quando Fred 04 escreveu ‘computadores fazem arte’, pensei: ‘eu preciso me meter nesse negócio de tecnologia”. Em casa, tinha três irmãos (Hugo, André e Rodrigo) e o pai, Bartolomeu, que o apresentaram ao instrumento do futuro “negócio” milionário.
Seu Bartolomeu, jornalista por formação que virou bancário, chegava do trabalho e, ao fim do dia, sentava numa cadeira para desafiar os filhos. “Vamos ver o que o computador responde se a gente digitar uma linha de código”, dizia. Os meninos o rodeavam com curiosidade. “Era fascinante”, lembra Artur. O computador tinha vindo na bagagem de um dos irmãos, após um intercâmbio feito nos Estados Unidos. ”Sabia que, em algum momento, aquela coisa ia estourar”. Da época, Artur tem a nítida lembrança de um jogo, estrelado por um Tiranossauro-rex, representado por um quadrado branco, correndo para fugir de um labirinto. Todos achavam engraçado porque parecia muito pouco um dinossauro, mas a imaginação cuidava de moldá-lo para a alegria dos filhos de seu Bartolomeu. Um deles, Artur – hoje, um dos C-levels mais promissores do ecossistema do Porto Digital, ao lado dos seus sócios, os engenheiros de computação Tiago Sales e Antonio Henrique Araújo.
Artur é sócio-fundador da Mesa Mobile Thinking, case de sucesso do ecossistema, empresa desenvolvedora de soluções digitais, criadora de cerca de 50 aplicativos, com meta de faturamento na casa de R$ 28 milhões e que tem expectativa superar os R$ 30 milhões, ao se enraizar no mercado europeu e estadunidense. Um publicitário que virou designer. Que amava música, computação, empreendia como produtor de camisas de rock (“eu ficava impressionado como os caras sintetizam música no computador”), ou como designer freelancer prestando serviço para empresas diversas no Recife (“como todos, eu fazia tudo: buscava clientes, produzia, entregava, cuidava da parte administrativa”).
Um profissional que se moldou e transformou a sua curiosidade em arte. Da mãe, a arquiteta Diva, herdou a veia criativa. Aplicou o talento criativo, descobriu brechas de mercado, fez bem-sucedidas alianças profissionais e hoje entrega soluções para facilitar a vida das pessoas, como anuncia o site da empresa. Entre os clientes, grandes empresas, como Magazine Luiza, para a qual, em 2021, a Mesa vendeu uma plataforma logística. Um case que ganhou espaço em matéria da revista Exame, dando destaque às conquistas da Mesa, e viralizou nos grupos da família. “É engraçado isso. Claro, não posso mentir que tem um sorrisinho de canto de boca e aquele pensamento ‘que massa que isso aconteceu’ “, diz, reconhecendo o orgulho dos seus próprios feitos.
Por volta dos 20 anos, Artur cursava Publicidade quando teve o primeiro estalo da sua bem-sucedida carreira: percebeu que não seguiria a vida com a publicidade e precisava experimentar outros caminhos. Passou a trabalhar como estagiário numa empresa embarcada no Porto Digital, como desenvolvedor na área de webdesign para sites. Passou uma curta temporada no Canadá, onde também fez estágio, e as oportunidades pareciam lhe mostrar que aquele não era um caminho a seguir.
O gosto pela tecnologia, aquele compartilhado com os irmãos, estava lá. Artur chegou a acompanhar o irmão em momentos históricos da tecnologia recifense, como aquele do lançamento da Elógica (“Sei lá, acho que tinha uns 13 anos, mas eu lembro”). O encantamento o levou a outros convites e empregos, fazendo com que Artur transitasse entre aqueles que inventaram o novo. Trabalhou, por exemplo, para uma empresa de jogos de celular – num momento em que decidiu que “esse negócio veio para ficar e eu também quero entrar nessa”. Esta foi, segundo ele, a virada de chave para a sua vida profissional. Era 2009. Em 2010, estava desenvolvendo aplicativos para Iphones, quando até pouco tempo antes sequer tinha manuseado um aparelhinho desses que hoje fazem sucesso em todo o mundo.
Artur e os sócios trabalharam juntos no escritório de Recife da Fingertips até fechar, em 2013. A Fingertips foi uma das primeiras desenvolvedoras de aplicativos para celulares para o Brasil. O encerramento das atividades foi uma porta aberta para o voo solo deles. Ali, fizeram, como ele diz, “do limão uma caipirinha”. Transformaram o CPNP de um deles, viraram sócios e iniciaram a Mesa de forma mais sistemática, ainda que não tão consciente. “A gente trabalhava em um coworking e não tinha tanta consciência de que era uma empresa”. A visão comercial e administrativa, por exemplo, era uma lacuna a ser preenchida. “Muita gente nos ajudou para chegarmos até aqui”.
A mudança para um endereço próprio consolidou o negócio, mas era tudo na base das parcerias e na expectativa de um futuro promissor. Um ambiente pequeno, que tinha uma pequena sala de reunião – símbolo de orgulho da época -, numa organização que era regida por regras diversas, entre elas aquela do respeito à planilha de revezamento da troca do botijão de água diário (“Ah, rolava, sim, umas coisas, tipo um que dizia ‘eita, me atrasei um pouquinho’, e a gente já sabia que era para não trocar o garrafão”).
A empresa de três pessoas ampliou de forma gradativa e chegou aos 45 colaboradores, entre desenvolvedores, administrativos, financeiros e outros funcionários. Hoje, são mais de 100 colaboradores, 50% deles alocados no Recife e uma perspectiva de crescimento que impressiona e inspira o do Porto Digital – o maior centro de inovação da América Latina.
A Mesa havia chegado há pouco no Porto Digital quando chegou a pandemia da Covid-19, em 2020. Em cinco meses de operações, o escritório fechou as portas. “De certa forma, a pandemia nos proporcionou crescimento, porque algumas empresas mais tradicionais, como do setor da indústria, não tinham tanto costume de investir em tecnologia e passou a ter”. De 2020 para cá, o crescimento da Mesa foi mais acelerado. Do sistema de trabalho híbrido para o totalmente remoto, concluíram que não faria sentido manter um grande espaço para a equipe. Mas estar no Porto Digital fez e faz grande diferença, frisa. É o fato de circular entre quem inova na área de tecnologia ou mesmo sentir o pertencimento quando cita o Porto Digital fora de Pernambuco.
Foram muitas as mudanças desde então. A Mesa já não conta com uma planilha para a troca do garrafão de água, os sócios já se sentem seguros de viajarem ao mesmo tempo para cumprirem suas funções e deixarem o time trabalhar por si – e até conseguem se encontrar na Europa para fazer novos negócios e brindar as conquistas. “A gente diz muito que 2 a 1 aqui é goleada. Tudo é na democracia, é acordado”, brinca Artur, para então completar: “Nunca fizemos nada na porralouquice, com o perdão do termo. Sempre foi tudo estudado, planejado”.
Artur Sá, publicitário por formação e designer, afirma que nunca se viu no lugar onde está, fazendo o que faz. Mas, sem dúvidas, ele entrou no “negócio da tecnologia”, aquele vislumbrado quando ouvia Fred 04. Seu Bartolomeu anda orgulhoso. Aos 81 anos, continua curioso e por perto.
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Silvia Bessa é jornalista. Gosta de revelar histórias que se escondem na simplicidade do cotidiano. Venceu três vezes o Prêmio Esso e tem quatro livros publicados
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