No início de dezembro de 2023 apresentamos no Jornal Digital que Recife possui 571 estudantes de TI para cada 100 mil habitantes, maior proporção entre as capitais para cursos presenciais. Esse resultado coloca Recife em destaque na formação tecnológica no país, sobretudo quando comparamos com o segundo colocado do ranking, Porto Alegre, que possui 365 estudantes a cada 100 mil habitantes, uma diferença de 56% entre o primeiro e segundo colocado.
Por outro lado, a educação superior em tecnologia, tanto em Recife como no Brasil como um todo, enfrenta um desafio importante: como garantir que o acesso à educação superior seja igualitário? Os dados dos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ensino Superior, ambos de 2022, mostram que apesar de 56% da população brasileira se considerar negra (preta ou parda, segundo convenção do IBGE), os estudantes negros de tecnologia representam apenas 33% do total de alunos matriculados. Em Recife os dados são similares, 61% da população é negra e apenas 38% dos alunos de TI são negros.
A evolução do número de estudantes negros no ensino superior ao longo dos anos é inegavelmente positiva, evidenciado pelo aumento significativo de 23 mil em 2009 para 192 mil estudantes em 2022 (figura 1). Contudo, ao analisar a disparidade nas taxas de estudantes negros e brancos matriculados, percebe-se uma persistente diferença de aproximadamente 10%, com os alunos brancos mantendo uma vantagem numérica. Em 2022, essa discrepância se reflete no fato de que 45% dos estudantes são brancos, enquanto apenas 33% são negros (figura 2).
Figura 1. Total de matriculados em T.I. por raça ou cor
Figura 2. Proporção de matriculados em T.I. por raça ou cor
Diante desses números, como poderíamos avaliar melhor o aspecto racial na educação superior? Uma forma de fazer isso é utilizando um indicador que compara as proporções de estudantes de TI por raça com a proporção de raça na população geral, conforme indicam as equações abaixo. O indicador sugere que, para alcançar uma equidade racial, o resultado deve ser próximo de 1, isto é, a distribuição de raças na população em geral deve ser aproximadamente igual a distribuição de raças dos alunos matriculados em tecnologia.
Ao considerar os resultados do indicador racial proposto, torna-se evidente que as pessoas negras enfrentam obstáculos no acesso ao ensino superior. A figura 3 mostra esses resultados por estado, destacando-se que em todos os estados o indicador para a raça negra é menor que 1, ou seja, a proporção de negros estudantes de TI é menor que na população dos estados. Por outro lado, para a raça branca, o indicador é superior a 1 em 18 das 27 unidades federativas. A média no indicador no Brasil é de 0,69 para a raça negra e de 1,06 para a raça branca.
O Distrito Federal destaca-se como uma exceção, sendo o único estado em que o indicador é maior para negros do que para brancos (0,82 contra 0,79, respectivamente). Já Pernambuco apresenta o 5º pior indicador para os negros, com 0,59, ficando abaixo da média nacional. Considerando a população negra, apesar de Roraima obter o melhor resultado, de 0,88, ainda é observada desigualdade racial no ensino superior.
Figura 3. Indicador racial do ensino superior
Os números reforçam a necessidade de políticas de inclusão para equilibrar a representatividade racial no ensino superior. Nesse sentido, uma iniciativa promissora é o Embarque Digital – programa da Prefeitura do Recife em parceria com o Porto Digital – exclusivo para estudantes residentes na cidade. Em Recife, a proporção de pessoas negras é de 61%, enquanto o programa apresenta uma proporção de negros matriculados de 62%, o que resulta em um indicador de 1,02. Isso significa que o Embarque Digital, entre os casos estudados, é o único que conseguiu atingir uma representatividade racial negra equiparada com a população negra regional.
A disparidade entre a representatividade de estudantes negros e brancos nas instituições de ensino superior revela a necessidade urgente de políticas inclusivas para corrigir essa desigualdade, que devem ir além do acesso, como a lei das cotas, mas também que olhem para a permanência desses alunos. Exemplos como o do Embarque Digital podem servir como referência de políticas raciais na educação superior.
*Foram levados em consideração para este estudo apenas os cursos da grande área de tecnologia.
**Dados sobre população retirados do Censo IBGE 2022
***Dados sobre educação superior retirados do Censo da Educação Superior 2022
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