Para ganhar a sua atual composição urbana, o Bairro do Recife tornou-se um “cemitério” de monumentos do passado, a exemplo da Igreja Matriz do Corpo Santo (uma das primeiras da cidade) e do Arco da Conceição, demolidos em 1913 para a abertura da atual Avenida Marquês de Olinda.
Hoje, é impossível imaginar a Praça Arthur Oscar (popularmente conhecida como Praça do Arsenal) sem a Torre Malakoff, prédio de 28 metros de altura e com um estilo arquitetônico que lembra mesquitas do Oriente. Contudo, quando a discussão sobre patrimônio histórico ainda não era tão avançada, quase perdemos também esse monumento.
A Praça do Arsenal carrega esse nome popular justamente por ter abrigado, ao longo do século 19, o Arsenal da Marinha. Por isso, a Torre por muito tempo era chamada de “Torre do Arsenal”. Foi concluída em 1853, sendo sede da Capitania dos Portos a partir de 1855 (esses dois anos estão em seu portão de ferro).
Logo após as reformas dos Planos de Melhoramentos e Reforma do Porto e do Bairro do Recife (1909-1926), que deu o atual traçado urbano da ilha, autoridades militares da Marinha passaram a enxergar a Torre como um entrave ao alargamento da Rua São Jorge. O ano era 1929.
A campanha contra a demolição
Nessa época, o Recife havia acabado de perder inúmeros patrimônios por conta dessas reformas, o que certamente sensibilizou intelectuais e formadores de opinião que se mobilizaram para impedir a demolição.
A primeira manifestação partiu de Arthur da Silva Rêgo, presidente do Instituto Arqueológico, que enviou um ofício aos ministros da Viação e da Marinha – o texto chegou a ser publicado em jornais. Dentre os jornalistas da campanha, destacaram-se Mário Melo e Aníbal Fernandes.
“De tal maneira o edifício ficou ligado à fisionomia da cidade, que seria uma pena vê-lo desaparecer, como desapareceram os arcos que davam ao Recife um caráter único entre as cidades brasileiras. Há de considerar ainda que a Torre de Malakoff é o último remanescente do velho Recife e não embaraça o trânsito, nem estorva ninguém”, argumentou Aníbal Fernandes no “Diario de Pernambuco”, em 24 de maio de 1929, em uma apelo ao então governador Estácio Coimbra.
O caso ganhou repercussão nacional, indo para na Gazeta de Notícias, de Fortaleza, e do Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro. “Seja poupado o velho minarete, esculca solitário do passado, severo e carrancudo na sua guarita altaneira e humilde ao mesmo tempo, relanceando o olhar saudoso pelo antigo bairro que ele contemplou por muitos anos e escutou-lhe o gemido doloroso no embate demolidor do Progresso”, escreveu Vicente Themudo Lessa ao “Diario”, com texto enviado de São Paulo.
Tal impacto na opinião pública fez com que Estácio Coimbra, através do Inspetor de Monumentos, zelasse pela tradição.
A origem do ‘Malakoff’
Por muito tempo, a origem do nome popular da torre era desconhecida. Alguns acreditavam que referia-se ao tipo do grande relógio inglês Thwaites & Reed, ou até mesmo pelo nome do relojoeiro. Em tempo: durante a sua visita ao Recife, em 1859, D. Pedro II menciona em seu diário o badalar dos sinos do relógio diariamente ao meio-dia.
Na mesma época em que tentava salvar o monumento com artigos em jornais, Mário Melo conversou com Joaquim Alves da Silva Santos, um senhor português de 87 anos de idade, dos quais 75 vividos no Recife.
“Quando cheguei aqui, menino, vindo de Portugal num barco à vela, estava construindo o Arsenal da Marinha. […] A Europa estava empenhada na Guerra da Criméia. Deu-se o assédio de Sebastopol pelos franceses e ingleses. As notícias chegavam aqui a intervalos, quando algum navio da Europa trazia jornais”, disse o ancião em seu relato.
“Em Sebastopol havia uma fortificação inexpugnável: a Torre Malakoff. E começaram os habitantes do Recife a comparar a Torre do Arsenal com a Torre Malakoff, nome que lhe impôs o povo e chegou aos nossos dias”.
Mário Melo, então, verificou que a Guerra da Criméia realmente ocorreu entre 1853 e 1856, mesmo período em que foi inaugurado o Arsenal da Marinha. Nesse conflito, Malakoff representou um papel importantíssimo, pois a Rússia só foi derrotada depois que derrubaram essa torre.
Uma outra curiosidade: os recifenses passaram a chamar qualquer grande relógio de “Malakoff”. De acordo com o “Jornal do Brasil”, em 1929, essa classificação espalhou-se pelo Brasil inteiro, de forma que se denominava assim qualquer relógio um pouco maior.
Também existia na torre uma cúpula giratória com uma luneta para observação de astros já em 1856. Nela, foram feitas observações de um cometa que cruzou os céus do Recife em 5 de outubro de 1858, o que foi descrito minuciosamente no Jornal do Recife.
Restauração e atualidade
A Capitania dos Portos deixou a Torre Malakoff apenas em 1976, quando mudou-se para a Rua de São Jorge, 25. No final dos anos 1980, o prédio ganhou um projeto de restauração quando a Prefeitura do Recife e o Governo do Estado passaram a desenhar planos de reabilitação para o então degradado Bairro do Recife.
Desde a sua inauguração, ela passou por várias modificações do traçado original, entre elas a colocação de escadaria no hall principal, local que antes servia apenas de passagem para o Arsenal da Marinha, e o acréscimo de salas na sua parte posterior.
Em 2000, a Torre foi transformada em espaço cultural com destaque para a música e a fotografia. São oito salas de exposição, além de salas educativas e administrativas. Na área externa um anfiteatro serve como espaço para diversos eventos. O Observatório funciona aos domingos, das 16h às 19h30.
Hoje, a Torre Malakoff é um monumento tombado pela Fundarpe, e só segue de pé por conta daqueles que se empenharam em sua preservação. Sem essas iniciativas, não existiria um centro histórico para novas utilizações, como faz o ecossistema do Porto Digital na atualidade.
Comments are closed, but trackbacks and pingbacks are open.