Atualmente interditada para a conclusão de uma reforma, a Ponte Giratória, que liga o Bairro do Recife ao de São José, já foi sinônimo de modernidade, recebeu apelido de “Trampolim da Morte” e há muito tempo é conhecida por constantes reparos pela complexidade de sua estrutura no passado. Isso porque a ponte literalmente girava para a passagem de embarcações.
Quando estava fechada, era usada por cargas portuárias, automóveis e pedestres. Ao abrir, deixava duas passagens para os barcos. Foi instalada uma sirene que soava alto sempre que a estrutura ia girar. As suas entradas eram fechadas com correntes e avisos.
Inaugurada em 5 de dezembro de 1923, a Ponte Giratória foi uma das grandes novidades dos Planos de Melhoramentos e Reforma do Porto e do Bairro do Recife (1909-1926), com reformas que alteraram o traçado e a paisagem urbanística da ilha, o principal cartão de visita da capital.
O objetivo era trazer mais produtividade para o Porto, além de colocar o Recife no conjunto de cidades modernas, tendência global após a consolidação das Transformações de Paris no Segundo Império (1853 – 1870).
As obras ficaram a cargo da empresa francesa “Société de Construction du Port de Pernambuco“, que estabeleceu que deveria existir uma ponte rodo-ferroviária com um vão central giratório, para favorecer o transporte ferroviário para o Porto sem impedir a passagem de embarcações veleiras.
A sua “abertura”, inclusive, está registrada no documentário “Veneza Americana” (1925), de Ugo Falangola e J. Cambieri, produzido a pedido da gestão de Sérgio Loreto, que governava o Estado quando as reformas ficaram prontas.
“Trampolim da Morte”
Apesar da sirene e dos avisos de horários de abertura da Ponte em jornais, os acidentes eram inevitáveis, pois sempre havia quem desrespeitasse. Já na década de 1920 é possível encontrar registros sobre acidentes, a exemplo da nota “Ficou ferido na cabeça”, do “Diario de Pernambuco, em 25 de maio de 1929:
“José Manuel da Silva, às 10h de ontem, nas imediações da Ponte Giratória, no Recife, quando trabalhava, foi atingido por uma trave, sofrendo um ferimento na cabeça. Ele foi medicado instantes depois no posto da Assistência e levado para o Hospital Pedro II, onde se encontra em tratamento.”
Em 1933, uma embarcação chamada “Fé Divina” colidiu com uma coluna de eixo da ponte. O tripulante Miguel Batista Gomes recebeu uma forte pancada na cabeça, abrindo uma brecha no seu couro cabeludo. “Ali foi socorrido pela Assistência Pública e levado para o Pronto Socorro, onde se acha em tratamento.”
Em 1935, um canoeiro de 15 anos foi acidentado, sofrendo ferimentos no braço. Todos esses casos fizeram que, no final dos anos 1940, a Ponte Giratória fosse apelidada de “Trampolim da Morte“, conforme mostra reportagem do Diario de Pernambuco em 1947.
“Na lista dos locais onde se verificam atropelamentos de pessoas por automóveis, a Ponte Giratória, vez por outra, aparece com o seu contingente para esse crescimento apavorante de ferimentos, mortes e mutilações que ocorrem diariamente no Recife”, registra o texto.
“Dada a estreiteza das pistas por onde deslizam os automóveis e caminhões, aquela ponte está a merecer da parte das autoridades competentes um pouco mais de atenção no sentido de proteger a vida das pessoas que por ali são obrigadas a transitar.”
“A ponte giratória não pode ser transformada num trampolim da morte, com os veículos utilizando-a com a mesma velocidade com que o fizeram no Circuito da Boa Viagem”.
Reformas
Já na década de 1950, a imagem de modernidade transmitida pelas reformas do Porto já não existia na citada Ponte. O motivo não era exatamente o perigo: a ampliação das rodovias foi tornando a rotação cada vez menos útil.
“Barcaças e veleiros de azul suave ou amarelo carregado e forte, já não se vêem com a frequência de outrora na bacia de Santa Rita. Parece que antigamente a ponte giratória maior número de vezes se abria para ensejar passagem. Hoje, não. E os barcos já não têm coloração definida, já não enfunam o velame com o vigor de outrora. O colorido esmaeceu, encarnou e desbotou”, diz o texto de Newton Faria para o “Diario”, em 1958.
Naquele mesmo ano, inicia-se a saga de reparos para substituição de materiais deteriorados, como cantoneiras, barras, chapas e varão. Também foram confeccionadas balaustradas em ambos os lados da ponte, totalizando 10 milhões cruzeiros.
Mal passados dois anos da citada reforma, o poder público decidiu realizar uma concretagem nas faixas de rolamento da ponte. Essa foi uma reforma bastante polêmica. Além da lentidão, ela estava orçada para 4 milhões de cruzados, mas o valor chegou até 18 milhões.
Para completar, o concreto acabou caindo sobre as engrenagens do giro, enguiçando toda a estrutura. “A velha ponte, cujo conserto se arrasta há alguns meses, já agora apresenta uma novidade: não gira mais.”
Viva no imaginário
A Ponte Giratória foi construída em ferro. A subutilização e a falta de manutenção ao longo dos anos 1960 foi a deixando toda enferrujada.
Posteriormente, ela parou de girar pelo enferrujamento das engrenagens, chegando ao ponto de todo o tráfego nela ser suspenso – primeiro ônibus e caminhões, depois para qualquer tipo de veículo.
Em 1971, ela ficou tão abandonada que ladrões levaram suas vigas e pilastras, vendendo-as em depósitos de ferro-velho.
Assim, teve que ser completamente desmontada e em seu lugar foi construída uma ponte ampla e de cimento armado, inaugurada em 1971 com o nome de Ponte 12 de Setembro – data que lembra a inauguração das reformas do porto, em 1918.
Essa ponte até hoje liga a Av. Alfredo Lisboa/Cais da Alfândega à Av. Sul/Cais de Santa Rita. Mesmo com o novo nome, a maioria dos recifenses se referia a ela como Ponte Giratória. Em 2003, a Prefeitura determinou que sua denominação passaria a ser “Antiga Ponte Giratória”.
Quase todo recifense, ao saber da história, olha para a ponte e a imagina girando. Como registrou o Diario de Pernambuco às vésperas da substituição:
“Esta parece ser a oportunidade aos pintores, fotógrafos e cinematografistas de lhe fixarem os últimos momentos, confrontada ao mar, de um lado, e ao casario, entre antigo e moderno, do outro. Pois a velha Ponte Giratória está a pedir a esses artistas; em breve, onde se erguer haverá somente o vácuo. E passará a viver exclusivamente na memória dos saudosistas.”
Atual situação da Ponte Giratória
Com mais de 50 anos de existência, a atual Ponte Giratória de concreto precisou ser interditada em outubro 2023, depois que foram constatados problemas estruturais. Durante as obras de revitalização do elevado, quando o concreto antigo foi retirado, uma nova patologia foi identificada na estrutura.
Com isso, a Prefeitura do Recife informou que iniciou um novo processo de licitação neste mês para contratar uma nova empresa que realize ensaios e testes mais detalhados, segundo a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb).
Em nota enviada nesta terça-feira (6), a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb) informou “que após a realização de ensaios, estudos e projeto, lançou, no início deste mês, uma licitação para a realização de serviços especiais de recuperação e reforço estrutural da Ponte Giratória.”
“O objetivo é realizar intervenção nas novas patologias identificadas pela equipe de engenheiros da Emlurb durante a execução do último vão, que consistem no reforço das longarinas, retirada das armaduras comprometidas, substituição e reforço com armaduras ativas e passivas, execução de recobrimento adequado nas células e por fim a pintura protetora de toda Ponte. Caso não haja intercorrências no processo licitatório, as obras terão início neste semestre”, diz a nota.
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