Pela primeira vez, uma pesquisa acadêmica analisou a eficiência do Programa Embarque Digital, política pública pioneira do ecossistema do Porto Digital para a formação educacional e profissional de talentos no setor de tecnologia e com foco na promoção da chamada inclusão produtiva. Uma inclusão que vai além da inclusão social de pessoas de classes socioeconômicas mais baixas e periféricas, ao oferecer condições para que elas saiam das margens e se tornem protagonistas no mercado de trabalho e na economia. No decorrer de 156 páginas, o estudo revela uma combinação de baixas taxas de evasão e em constante queda (chegou a apenas 11% em 2023), alta satisfação dos estudantes matriculados no Embarque e bons índices de empregabilidade do alunado, resultado conquistado com uma eficiente relação custo X benefício.

Tese de doutorado atesta eficácia do Embarque Digital na inclusão produtiva (Imagem: PC Pereira/Porto Digital)
Tese de doutorado atesta eficácia do Embarque Digital na inclusão produtiva (Imagem: PC Pereira/Porto Digital)

Esses e outros resultados estão na tese de doutorado da diretora executiva do Porto Digital, Mariana Pincovsky, defendida no primeiro semestre deste ano e desenvolvida no programa de Doutorado em Engenharia de Software do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife – CESAR School. Revelador tanto do ponto de vista estatístico quanto do analítico, o trabalho tem como objeto o programa-piloto do Embarque Digital, desenvolvido desde 2021 em parceria com a Prefeitura do Recife, que mobilizou R$ 30 milhões da Prefeitura do Recife ao financiar 2 mil bolsas de estudos em instituições particulares de ensino.

Na tese, Mariana Pincovsky esmiúça o Embarque Digital de forma conjuntural e põe uma lupa sobre as cinco turmas abertas até então. Traz o perfil socioeconômico dos interessados e matriculados (majoritariamente,  negros e pardos), aborda questões de gênero (homens são maioria), indica bairros da cidade que se destacam como lugar de moradia dos alunos (o da Várzea lidera cinco rankings de turmas diferentes), faz uma relação com o uso dos transporte dos alunos (feito pelo sistema público, maioria) e mostra outras nuances que não só possibilitam um raio X aprofundado do Embarque Digital como servem de matriz para composição de futuras turmas ou ampliação territorial do Programa.

“Conclui-se que o Programa Embarque Digital é um modelo eficaz de inclusão produtiva no setor tecnológico, demonstrando que a integração entre educação, indústria e políticas públicas pode ser uma estratégia valiosa para combater desafios socioeconômicos. Os insights obtidos com esta pesquisa são fundamentais para orientar futuras iniciativas de formação em tecnologia, com potencial para replicação em outros contextos”, afirma a autora.

Outro achado científico de Mariana diz respeito à relação dos selecionados com as notas deles no Enem: “É o alto desempenho dos alunos do Programa Embarque Digital: de todas as cinco turmas, os dez primeiros colocados tiraram notas acima de 700 no ENEM. Isso faz todo diferencial no decorrer do curso, porque esse alto desempenho é refletido em um bom aproveitamento do curso”, assegura, lembrando ainda na qualidade do profissional que vai se inserir no mercado. O Porto Digital abriga hoje mais de 400 empresas e 18 mil profissionais e empreendedores.

Os dados da tese, intitulada “Embarque digital: avaliação do programa de inclusão produtiva de jovens da periferia do Recife por meio do mercado de tecnologia”, atestam a eficiência do projeto e alarga a expectativa de que, a médio e longo prazo, o Embarque será determinante para a redução do déficit de mão de obra qualificada na área de TI. Este é um feito desejado sobretudo pelo pool de empresas do ecossistema do Porto Digital, o maior parque tecnológico a céu aberto da América Latina, localizado no Recife. No modelo atual, o Embarque Digital promove a formação técnica em nível superior para cursos presenciais de graduação tecnólogo. Os cursos contam com dois anos e seis meses de aula e são coordenados a partir de uma parceria técnica entre a Secretaria de Educação do Recife e o Núcleo de Gestão do Porto Digital (NGPD).

Tese de doutorado atesta eficácia do Embarque Digital na inclusão produtiva (Imagem: PC Pereira/Porto Digital)

A pesquisa de Mariana, ao final, faz um apanhado sobre o aumento da oferta de capital humano qualificado para as áreas de tecnologia da informação, o aumento da  empregabilidade e a inclusão de segmentos vulneráveis da sociedade na área de tecnologia da informação e o crescimento da oferta de cursos de graduação tecnológicos com currículo aderente às demandas de mercado. De forma ampla, baseou-se em uma mensagem-chave que questionava sobre a capacidade do Embarque de “reduzir o déficit de capital humano promovendo a inclusão produtiva de estudantes das classes menos favorecidas no Parque Tecnológico”.

Trata-se de uma matriz pioneira sobre o Embarque Digital. A autora usou como técnica o relato de experiência “narrativa descritiva e reflexiva” – elaborado a partir da vivência de cada um, tendo como norte um resultado com essência científica, segundo descrição do texto. E considerou dados quantitativos sobre empregabilidade. Mariana tem cargo de gestão no Porto Digital e não só reconhece de forma transparente a sua condição privilegiada quanto à obtenção de informação, como potencializa seus conhecimentos para uma análise mais acurada.

Na tese, alguns recortes temáticos chamam a atenção e tendem a servir para balizar ajustes para futuras etapas do programa. São questões de cor/raça, gênero, renda familiar daqueles que se matricularam, e nível de empregabilidade dos que – a partir do acesso ao Embarque Digital – estão escalando voos profissionais mais altos.

Confira abaixo algumas constatações elencadas pela doutora Mariana Pincovsky.

Inclusão produtiva observando cor/raça e gênero

O volume de inscritos no Embarque Digital que se autodeclaram negros ou pardos representa uma maioria de 63%, o que é um indicativo forte de que o Programa vem atingindo o seu objetivo de diversificar e inserir um novo perfil de profissionais no mercado de TI, uma vez que hoje o perfil desses profissionais é composto por homen, brancos  e oriundos de classe média. Entre os convocados, os negros e pardos somam 62% – percentual médio do somatório de 2021 até 2024.

As mulheres ainda são minoria, representam 33% dos inscritos para o Embarque, enquanto os homens são 66,7%. Essa análise justifica o foco do Programa para inserir cada vez mais as mulheres no projeto e no mercado de trabalho tech. Elas representam 34% do número de convocados.

Tese de doutorado atesta eficácia do Embarque Digital na inclusão produtiva (Imagem: PC Pereira/Porto Digital)
Tese de doutorado atesta eficácia do Embarque Digital na inclusão produtiva (Imagem: PC Pereira/Porto Digital)

Várzea, maior celeiro do Embarque no Recife

Nesta primeira pesquisa, observou-se que há bairros onde há um maior número de inscritos no Programa. O bairro da Várzea, por exemplo, se destaca no ranking das cinco turmas já abertas até então, liderando o topo da lista dos bairros em todas as edições. Os bairros da Iputinga e do Cordeiro também aparecem com proeminência.

Potencial para expansão territorial

Uma descoberta relevante do estudo diz respeito ao perfil daqueles que se inscrevem ano a ano com o intuito de concorrer a uma vaga no Embarque Digital: boa parte dos interessados não reside no Recife. O fenômeno acaba por desclassificar o concorrente, uma vez que hoje o Embarque Digital é fruto de uma parceria do Porto Digital com financiamento da Prefeitura do Recife. Para se ter uma ideia, no segundo semestre de 2023, dos 2.412 inscritos, 974 foram inscrições válidas – de interessados moradores do Recife.

Ampliando as chances no mercado de trabalho

O indicador “empregabilidade” é dos mais relevantes e está em construção, visto que as turmas encontram-se em formação, mas já se pode ter uma fração positiva dos resultados. Considerando a primeira turma, do final de 2021, as perspectivas são promissoras: o estudo constatou que 53% dos alunos estavam empregados na área de tecnologia da Informação, enquanto outros 10% estavam empregados em outros setores e outros 36% não trabalhavam. Dos que estavam trabalhando, atribui-se grande parte dessa inserção à articulação do próprio Porto Digital junto a empresas embarcadas no ecossistema.

Com base em uma metodologia de busca de dados estatísticos e checagem, a autora da tese faz uma análise do saldo trazido pela pesquisa na jornada para sua obtenção do título de doutora, tendo como referência o Embarque Digital. Abaixo, ela explica o valor documental da pesquisa e o impacto dessa iniciativa público-privada tem efeito na inclusão:

“A pesquisa desenvolvida sobre o Programa Embarque Digital apresenta contribuições significativas para o campo da educação profissional e técnica, assim como para a gestão de políticas públicas voltadas para a inclusão produtiva. Primeiramente, destaca-se a modelagem de uma intervenção educativa que responde diretamente às demandas específicas do mercado de tecnologia da informação.

A colaboração entre o Porto Digital e instituições de ensino superior para a criação de currículos adaptados às necessidades do setor representa uma inovação pragmática que alinha a formação acadêmica com as expectativas empresariais. Em segundo lugar, o trabalho fornece um modelo replicável de parceria público-privada que tem potencial de ser implementado em outras regiões e setores.

A metodologia adotada para a seleção e acompanhamento dos estudantes, assim como o esquema de financiamento, demonstram a viabilidade de investimentos direcionados em educação tecnológica como uma estratégia para o desenvolvimento econômico local e inclusão produtiva. A terceira contribuição advém dos dados empíricos sobre a empregabilidade dos egressos, que reforçam a relevância dos programas de formação técnica na redução do skill gap e na melhoria das taxas de emprego, especialmente entre jovens de comunidades vulneráveis.

A capacidade do Programa de manter baixas taxas de evasão e altas taxas de inserção no mercado de trabalho são indicativos claros do seu sucesso. Além disso, o estudo destaca a importância da flexibilidade e da capacidade de adaptação dos currículos às mudanças rápidas no campo tecnológico. A abordagem do Embarque Digital no desenvolvimento de soft skills, junto com conhecimentos técnicos, prepara os alunos para um espectro mais amplo de oportunidades e desafios profissionais. Por último, o trabalho contribui para a literatura sobre políticas públicas e avaliação de programas educacionais, fornecendo um compêndio detalhado de 69 métricas de avaliação e estratégias para a análise da eficácia de programas semelhantes. O relato da experiência do Embarque Digital enriquece o debate acadêmico sobre a intersecção entre educação, tecnologia e inclusão produtiva, oferecendo percepções valiosas para pesquisadores, educadores e formuladores de políticas públicas.”

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