Atualmente, quem passa pelo cruzamento da Avenida Marquês de Olinda com o Cais da Alfândega, no Bairro do Recife, se depara com uma estrutura equipada com um QR Code. Ao escanear o código, o usuário pode conhecer, através da realidade aumentada, o antigo Arco da Conceição.

Estrutura no Bairro do Recife convida público a conhecer o Arco da Conceição por realidade aumentada

Essa iniciativa do poder público busca manter viva a memória de uma construção que marcou profundamente a paisagem da cidade. Há 120 anos, ainda era possível encontrar alguns desses antigos arcos, construídos durante a presença dos holandeses no Recife.

Infelizmente, devido à falta de discussão sobre patrimônio histórico naquela época, essas construções foram demolidas entre 1850 e 1913 — algumas com mais de 300 anos de existência — para abrir caminho à circulação de bondes e automóveis.

Neste artigo, conheceremos os contextos de criação, transformação e demolição dos antigos arcos do Recife.

Antes e depois da Avenida Marquês de Olinda, onde ficava o Arco da Conceição

Portas de segurança

A história desses arcos está diretamente ligada à chegada dos holandeses em Pernambuco nos anos 1630, o que provocou intensas transformações urbanas no Recife, então capital do Brasil Holandês, sob a liderança de Maurício de Nassau.

Entre as novidades estava a construção de uma ponte que conectava a ilha do Bairro do Recife à Cidade Maurícia, a Ponte Maurício de Nassau. Nas extremidades da ponte, foram erguidas duas portas.

A Porta da Ponte, ou “Pontpoort”, situava-se do lado do Bairro do Recife, enquanto a outra porta ficava na entrada da “Cidade Maurícia”, no atual bairro de Santo Antônio. No arco do lado nascente, Nassau mandou gravar as armas do Príncipe de Orange e as suas próprias, esculpidas em pedra e ornamentadas com letras douradas e prateadas.

Panorâmica do Bairro de Santo Antônio, abrangendo o Arco da Conceição Crédito Nordeste Histórico e Monumental

Essas portas tinham duas funções principais: garantir a segurança, controlando a passagem de pessoas, e cobrar pedágio pelo uso da ponte, com o objetivo de custear sua construção. Ao entardecer, as portas eram fechadas, e quem desejasse entrar na Cidade Maurícia à noite deveria apresentar uma “senha”.

Embora possa parecer estranho que uma cidade fosse dividida por portas, o processo de colonização exigia essas medidas. Os portugueses permaneciam nos arredores, resistindo para retomar o controle administrativo.

Porta do Bom Jesus

Arco do Bom Jesus em litografia a mão de W. Bassler, de 1848

Havia também uma outra porta localizada na atual Rua do Bom Jesus, que servia como entrada pelo Norte do Recife, usada por quem vinha de Olinda. Segundo o historiador Flávio Guerra, essa porta era “feita de uma pesada estrutura de dois batentes que se fechava à noite, com fortificações laterais para defesa da costa”.

Após a expulsão dos holandeses em 1654, os portugueses ergueram uma capela em louvor ao Senhor Bom Jesus, conservando a estrutura por dois séculos.

Adaptação religiosa

Quase 100 anos após a expulsão dos holandeses, em 1742, os portugueses reformaram a cidade e remodelaram essas construções, aproveitando seus pilares de pedra. Elas deixaram de ser portas e se tornaram “arcos” com finalidades religiosas.

Arco do Bom Jesus em litografia a mão de W. Bassler, de 1848

Os arcos recebem imagens que deram os nomes de cada um: Arco de Santo Antônio (no bairro de Santo Antônio); Arco da Conceição (atual Marquês de Olinda) e Arco do Bom Jesus (na Rua do Bom Jesus).

As imagens de Santo Antônio e Nossa Senhora da Conceição foram esculpidas em pedra por João Pereira, mestre pernambucano. Posteriormente, surgiu a ideia de construir capelas e criar confrarias para administrar o culto religioso.

A capela do Arco da Conceição exibia na sua frente um escudo de pedra com as armas reais portuguesas em relevo, destruído durante a Independência em 1822. No lado de Santo Antônio, foi erguida uma capela simples, com ajuda popular, em homenagem a Santo Antônio, padroeiro da vila.

Arco de Santo Antônio (Crédito: Desconhecido)

O Arco da Conceição costumava ser o centro de festas religiosas, como missas, novenas e apresentações de bandas, principalmente em veneração à Nossa Senhora da Conceição. Em 19 de novembro de 1898, o Diario de Pernambuco publicou: “Continuam extraordinariamente concorridas as novenas do Arco. Foram assim toda a noite diversas bandas de música. A festa promete ser esplêndida”.

Diario de Pernambuco relata novenas com bandas de música no Arco da Conceição, no século 19

Embora os arcos tenham perdido suas funções originais, eles integraram-se harmonicamente ao Recife, tornando-se marcos na paisagem da cidade até novas mudanças urbanas.

Demolições

O primeiro arco a ser demolido foi o Arco do Bom Jesus, em 1850, autorizado pelo Governo da província de Pernambuco para abrir espaço para as construções do Arsenal da Marinha e melhorar a comunicação entre as ruas.

Diario de Pernambuco publica decreto para demolição do Arco do Bom Jesus

No começo do século 20, são executados os Planos de Melhoramentos e Reforma do Porto e do Bairro do Recife (1909-1926), que resultaram na destruição de muitos patrimônios históricos e arquitetônicos dos tempos coloniais. Nesse contexto, os arcos começaram a ser vistos como obstáculos à circulação dos bondes elétricos.

O Arco da Conceição foi demolido em 1913, junto com a igreja Matriz do Corpo Santo, após 268 anos de existência. O Arco de Santo Antônio foi derrubado quatro anos depois, com 272 anos de história.

Registro de demolições no Bairro do Recife no começo do século 20 Crédito Acervo do Museu da Cidade do Recife

Naquela época, a discussão sobre patrimônio histórico ainda era incipiente, mas as demolições comoveram intelectuais que futuramente fundariam o Museu do Estado de Pernambuco e impediram a destruição da Torre Malakoff, um edifício simbólico do bairro.

Se ainda existissem, esses arcos seriam, sem dúvidas, pontos turísticos e motivos de orgulho para uma cidade tão rica em histórias.

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