Durante uma vistoria para a construção de habitacionais para a população da Comunidade do Pilar, no Bairro do Recife, arqueólogos encontraram o que pode ser o maior cemitério arqueológico urbano do Brasil.
Batizado de Sítio do Pilar – por ser localizado próximo à igreja de mesmo nome -, o espaço detinha cerca de 130 esqueletos humanos e 40 mil fragmentos e peças que revelam os hábitos dos habitantes dos primeiros séculos do Recife.
Os trabalhos começaram em 2010 por meio da Fundação Seridó que, em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), descobriu a existência de um cemitério colonial no local.
De 2015 até a atualidade, o trabalho foi continuado pela Fundação Apolônio Salles (Fadurpe), entidade formada por docentes da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
A gestão municipal está construindo 128 unidades habitacionais que devem ser entregues no primeiro semestre de 2025.
Ao término das obras, a Prefeitura da Cidade do Recife pretende construir um mercado público na área e um museu a céu aberto para que a população tenha acesso aos materiais encontrados que ajudam a contar a história da capital.
Segregação espacial
O Bairro do Recife foi o berço da cidade devido à atividade portuária, enquanto a capital de Pernambuco era Olinda.
Ainda nos primeiros séculos da colonização, esse vilarejo tinha três acessos, conforme demonstra a imagem abaixo: “Porta da Terra” (o extremo sul, com acesso à Olinda), “Porta do Mar” (acesso ao mar) e “Porta da Balsa” (acesso ao continente, próximo das pontes).
Diante dessa configuração, a região localizada ao lado direito do vilarejo, onde atualmente existe a comunidade do Pilar, ficou conhecida como “Fora de Portas.” Era uma área desprotegida pelas fortalezas coloniais que servia de caminho do vilarejo para Olinda.
Ao longo da história, essa área teve um aspecto menos “nobre” em comparação à atual área do Marco Zero, tanto é que não foi tão atingida pelas reformas urbanas do começo do século 20.
Forte de São Jorge
Como toda a produção açucareira da capital “escoava” pelo Porto do Recife, os colonizadores logo desenvolveram um senso de proteção e segurança.
Essa necessidade foi redobrada após uma invasão de ingleses liderada pelo almirante James Lancaster, em 1595, que roubou um grande montante de açúcar, pau-brasil e algodão, entre outras mercadorias.
De acordo com Antonio Fausto de Souza, foi justamente numa trincheira portuguesa tomada por Lancaster que foi construída, tempos depois, uma fortificação chamada Forte de São Jorge.
Esse forte aparece em diversas ilustrações e mapas dos séculos 16 e 17, sempre com uma estrutura semelhante a de um castelo, com grandes muralhas. Essa construção ficava ao norte do atual Bairro do Recife, bem na área de “Fora de Portas“.
As escavações realizadas desde a década de 2010 identificaram esse forte, concluindo que as suas bases foram usadas para a construção de uma igreja: a Nossa Senhora do Pilar, de 1680 e até hoje de pé no local.
Cemitério colonial
A existência do Forte de São Jorge não impediu que os holandeses invadissem a capitania de Pernambuco a partir da cidade de Olinda. Nesse período, essa construção passou a ter outras finalidades.
De acordo com o historiador Bruno Miranda, o Forte passou a ser uma espécie de hospital de campanha para soldados da guerra e trabalhadores doentes do Porto, que lá foram internados e faleceram, sendo sepultados no terreno onde foi encontrado o Sítio do Pilar.
Esse hospital teria funcionado durante a presença dos holandeses, mas ainda não se sabe até quando ele foi utilizado como referência para enterrar corpos. Os arqueólogos encontraram esqueletos datados de até o começo do século 17.
Existem evidências iconográficas da existência desse cemitério, a exemplo de um mapa datado de cerca de 1630 (durante a ocupação holandesa) que mostra uma cruz desenhada bem ao lado do Forte de São Jorge.
De acordo com a Prefeitura, esse pode ser o maior cemitério arqueológico já encontrado no Brasil. As ossadas humanas estão guardadas para estudos na UFRPE.
A equipe da Fundação Apolônio Salles também já contabilizou cerca de 40 mil fragmentos, entre cerâmicas, peças de jogos, tijolo holandês, garrafas de bebidas, perfume, remédio, moedas, bala de canhão, escova de dente e ossadas.
Pilar
Após a expulsão dos holandeses, a área permaneceu abandonada até que, em 1679, o então governador Ari Souza de Castro fez a doação da terra a João Rêgo Barros, que lá construiu a atual Igreja do Pilar.
A edificação tornou-se realidade em 1680, utilizando várias pedras e sobras das edificações do Forte. Desde então, a Igreja passou por várias reformas.
Na década de 1970, a estatal PORTOBRÁS – Empresa de Portos do Brasil, criada pelo regime militar, decidiu desapropriar e demolir seis quadras dessa área do Bairro do Recife, localizadas entre a antiga Fábrica da Pilar e o Moinho.
A ideia era implantar um projeto de expansão do Porto do Recife, o que acabou não avançando. Ao longo dos anos, esse espaço foi sendo gradativamente ocupado por famílias carentes, dando origem à Comunidade do Pilar.
Com a criação do Porto Digital, os moradores da localidade começaram a receber ações de formação, empreendedorismo e iniciativas socioeconômicas.
Após a entrega dos habitacionais, o Bairro do Recife deve ganhar um portal para conhecer mais esses primeiros habitantes da capital. No Sítio do Pilar, o chão resgata toda uma movimentação que ajudou a construir o Recife e a sua história.
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