Recife é uma cidade que cresceu em função da atividade do seu porto. Antes de ter o seu atual nome, foi “Ribeira da Marinha dos Arrecifes” e “Porto do Navios”.
Essa região portuária, que ainda existe no Bairro do Recife, presenciou momentos marcantes, como a invasão holandesa, a ascensão de comerciantes portugueses que rivalizaram com os senhores de engenho pernambucanos (a Guerra dos Mascates) e até uma explosão que quase destruiu um raio de 5 km da capital.
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Durante séculos, o Porto retratou o cotidiano público e privado da sociedade em diferentes esferas, desde os mais ricos até os escravizados. Percorrer o atual Bairro do Recife é, portanto, um mergulho nesta história.
A ilha é um museu a céu aberto, onde tradições e memórias convivem com o Porto Digital, o maior distrito de inovação do Brasil. No roteiro a seguir, você encontrará caminhos para conhecer melhor esse passado portuário e sua influência na identidade da cidade.
Forte do Brum
O Forte do Brum é uma estrutura bem preservada que traduz a dinâmica do Porto do Recife ao longo dos séculos. Os fortes eram essenciais para proteger a região contra invasões e saques de piratas, garantindo a segurança das mercadorias e do comércio.
A construção do Brum teve início por iniciativa portuguesa. Ao saber que Pernambuco estava sob ameaça de invasão holandesa, a Coroa enviou Matias de Albuquerque para organizar a defesa.
Ele ordenou a edificação do forte, então chamado de Diogo Pais. No entanto, os holandeses conquistaram o Recife em 1630 e, durante sua ocupação (1630-1654), finalizaram a obra.
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Com a escassez de pedras e outros materiais duráveis, os flamengos recorreram à areia para erguer a estrutura, batizando-a de Johan Bruyns, em homenagem ao presidente do Conselho do Governo Holandês da Ocupação. Com o tempo, o nome foi aportuguesado para “Brum”.
Após a rendição holandesa, o forte voltou ao domínio português. A necessidade de reforçar a defesa do porto e da crescente povoação do Recife levou à sua reconstrução, concluída em 1669.
Atualmente restaurado, o Forte do Brum abriga um Museu Militar, aberto à visitação de terça a sexta, das 9h às 14h, e aos sábados e domingos, das 9h às 17h.
Forte do Buraco
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O Forte do Buraco localizava-se próximo ao final do istmo (estreita faixa de terra que liga duas áreas de terra maiores) do Recife com Olinda. Hoje, suas ruínas podem ser visitadas de barco, revelando vestígios de um passado marcado por batalhas e estratégias militares.
Considerado um ponto vulnerável a invasões, esse local foi confiado ao capitão Luiz Barbalho, descrito como “o mais destemido”, que ali organizou uma trincheira para reforçar a defesa.
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Em 1630, a área foi atacada por 1.500 soldados holandeses. Com o domínio flamengo sobre o Recife, em 1631, esse foi forte foi construído ao lado da trincheira.
Os portugueses passaram a chamá-lo de Forte do Buraco, nome derivado da região conhecida como Buraco de Santiago. Sua estrutura tinha formato trapezoidal e desempenhou um papel estratégico na defesa do porto.
O forte permaneceu de pé até o início do século 20, quando passou por sucessivas demolições. A mais significativa ocorreu nos anos 1950, a mando da Marinha, que desmantelou parte da construção.
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Ainda assim, suas ruínas resistem ao tempo e poderiam se tornar um ponto turístico mais relevante, caso recebessem maior atenção das autoridades.
Forte de São Francisco/Igreja do Pilar
A Igreja de Nossa Senhora do Pilar guarda uma conexão direta com o passado portuário do Recife por ter sido erguida sobre as fundações do antigo Forte de São Jorge. Durante escavações realizadas pela UFPE e UFRPE, vestígios dessa fortificação foram identificados.
O forte ficava na região conhecida como “Fora de Portas” – durante parte do passado colonial, a vila principal do Bairro do Recife tinha “portas” de entrada e saída.
Após a expulsão dos holandeses, o forte foi abandonado e posteriormente doado pelo governador Aires de Souza Castro às mãos de João do Rego Barros.
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Aproveitando os materiais da demolição do forte, incluindo tijolos, pedras e até partes das muralhas, Rêgo Barros ergueu a igreja, cujos vestígios dessa origem ainda podiam ser vistos até meados da década de 1980.
Conta-se que Rêgo Barros, então Provedor da Fazenda Real, teve de viajar a Portugal para prestar contas à Coroa. Temendo possíveis desconfianças, fez uma promessa a Nossa Senhora do Pilar e, segundo a tradição, conseguiu comprovar sua honra sem dificuldades.
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Em agradecimento, encomendou uma imagem da santa, de cerca de dois palmos e meio, e trouxe-a para o Recife, instalando-a solenemente na igreja que leva seu nome. A Igreja é tombada pelo IPHAN e foi restaurada em 2010.
Cruz do Patrão
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A Cruz do Patrão é um dos monumentos mais enigmáticos do Recife. Erguida como uma coluna encimada por uma cruz latina, encontra-se à margem esquerda do Rio Beberibe, nas proximidades do Terminal Açucareiro.
Originalmente, sua função era orientar os navios que chegavam ao porto pela Barra, servindo de referência náutica em combinação com outros pontos de balizamento para os ancoradouros.
O mistério em torno da Cruz do Patrão começa já em sua origem. Não há registros precisos sobre sua construção, apenas evidências de que já existia em 1816, conforme uma planta hidrográfica do Porto de Pernambuco assinada pelo capitão-tenente Diogo Jorge de Brito.
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Algumas hipóteses sugerem que tenha sido erguida entre 1745 e 1776. Há também documentos que a identificam como “Cruz do Patrão-Mor“, indicando possível ligação com o cargo de patrão-mor do Porto, então existente.
Mas o enigma não se limita à sua fundação. Contam as tradições populares que nas imediações da Cruz do Patrão havia um vasto areal onde eram sepultados negros que morriam sem o batismo cristão. Apesar das narrativas, nenhuma pesquisa comprovou a existência desse cemitério.
Apesar disso, o local é cercado por lendas. Durante séculos, marinheiros e moradores acreditavam que, ao cair da noite, ecoavam dali gemidos e sussurros angustiados. Alguns falavam em almas penadas; outros, em espíritos malignos que perseguiam aqueles que ousassem se aproximar.
Farol da Barra/Forte do Mar
O Farol da Barra, também conhecido como Farol do Recife, tem suas origens ligadas à segurança do porto e à navegação. Sua construção teve início em 1819, durante o governo de Luiz do Rego Barreto.
O então novo farol foi construído com 18 metros de altura e assentado sobre uma base quadrada. Ele foi desativado algumas vezes ao longo do século 20, mas sempre retornou com atualizações tecnológicas.
O farol foi electrificado em 1986, e três anos depois foi instalada a atual lanterna de acrílico. Em 1994, foi pintada uma faixa horizontal vermelha.
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A localização do farol remonta a uma construção ainda mais antiga: o Forte do Mar, também chamado de Forte do Picão, erguido em 1612. Esse forte foi um dos bastiões de resistência contra a invasão holandesa, mas acabou destruído em 1910, nas reformas do porto e do Bairro do Recife.
Por séculos, o Forte do Picão era a primeira estrutura avistada pelos navegantes que se aproximavam do Recife. Sua importância histórica foi tamanha que sua silhueta permanece imortalizada nos brasões do Estado de Pernambuco e da cidade do Recife, reforçando sua simbologia na identidade local.
Torre Malakoff
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A Torre Malakoff, um dos marcos arquitetônicos mais emblemáticos do Bairro do Recife, foi concluída em 1853 para abrigar a sede da Capitania dos Portos, que passou a operar no local a partir de 1855. Esses dois anos estão gravados em seu portão de ferro.
A Capitania permaneceu na torre até 1976, quando foi transferida para a Rua de São Jorge, 25. O nome da torre nome faz referência a um episódio da Guerra da Crimeia (1853-1856): o Forte Malakoff, cuja queda foi decisiva para a derrota russa no conflito.
Curiosamente, a influência desse nome foi além do edifício. No passado, os recifenses passaram a chamar qualquer grande relógio de “Malakoff”, um costume que, segundo uma edição do Jornal do Brasil de 1929, teria se espalhado por todo o país.
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Em 2000, a Torre Malakoff foi revitalizada e transformada em espaço cultural, abrindo suas portas para exposições e eventos. Com oito salas expositivas, além de áreas educativas e administrativas, o local também conta com um anfiteatro ao ar livre. Aos domingos, das 16h às 19h30, seu Observatório permite uma experiência única.
Um Museu do Porto do Recife?
Atualmente, mais desta história será contada em um Museu que está sendo preparado pelo Porto do Recife. Ele ficará na Praça da Comunidade Luso-Brasileira, localizada em frente ao Forte do Brum.
A previsão de inauguração é para este ano. Será um passo importante para restabelecer um elo histórico entre o Recife e a sua origem.
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