Todo empreendedor sabe: o sucesso tem custo. Em algumas situações, o preço pago é tão alto que cansa, faz com que se pense em desistir, revela Rodrigo Cunha, um dos mais bem sucedidos empreendedores de tecnologia do Brasil, de Pernambuco e do ecossistema de inovação do Porto Digital – fundador da Neurotech e executivo da B3, a líder global em mercados futuro e responsável pela bolsa de valores brasileira.
Um dos maiores custos é lidar com a mistura entre a vida profissional e pessoal – esta é uma fatura reincidente. Com demandas e cobranças emergenciais de clientes, que surgem no final de semana, justo no momento de curtir a folga. Sem esmorecer, o empreendedor toma os problemas como aprendizado e segue no negócio.
Foi o que Rodrigo fez durante duas décadas, ao pesquisar o mercado no tempo de estudante na UFPE, enquanto buscava ampliar os conhecimentos em estatísticas e tecnologia e alicerçar a Neurotech – empresa de tecnologia especializada em redes neurais artificiais para fazer com foco em análise de risco e controle de inadimplência de clientes de crédito. Em 2022, a empresa foi vendida por valor bilionário para a B3, tornando-se notícia da Revista Forbes e em todo o Brasil.
A reconhecida jornada do empreendedor de sucesso – estendida aos sócios – é o foco da segunda matéria da série “Lideranças Tech”, publicada às quartas-feiras, no Jornal Digital.
Daquele final da década de 2000, Rodrigo, ainda muito novo, lembra de uma cena que lhe marca até hoje. Com o filho Felipe miúdo, esperando o momento de atenção do pai na paradisíaca Praia de Serrambi, recebeu mais uma ligação de um cliente. Não era um pequeno cliente; tratava-se de um dos melhores, responsável por boa parte dos lucros da Neurotech à época. E o problema também não era pequeno: o cliente cobrava solução para uma ameaça de volumoso prejuízo, cuja responsabilidade – de forma injusta – estava sendo imputada à Neurotech. “O caso colocava em risco a nossa reputação”, lembra Rodrigo.
Foram meses sem dormir bem com essa pendência sem solução definitiva. Não tinha final de semana sem trabalho, não tinha diversão sem limite com Felipinho. As atenções se voltavam para uma solução: “Lembro tanto de eu ir para a praia e lá ficar atendendo ligações. Lidando com pressões… Tudo muito misturado. Essa foi a primeira fase da Neurotech, em que também não tinha tempo para me preocupar com alimentação, com exercícios, com longevidade”.
Nessa época, Rodrigo pensava: “Não aguento mais. Preciso de dois telefones para separar”. Adquiriu os smartphones, separou as demandas para não ficar tentado a resolver as pendências profissionais. Quando vê menção nos jornais à compra da Neurotech ou citam o seu desempenho na carreira, Rodrigo diz que, com frequência, pensa: “Minha esposa, minha mãe e meus filhos sabem o custo desse sucesso”.
Todos acompanharam e viveram juntos casamentos de amigos, viagens, comemorações de aniversário de gente querida que foram “sacrificados” – para usar a expressão de Rodrigo – em nome do trabalho e da consolidação e crescimento da empresa em determinado momento.
Lição nº 1: tenha sede de aprender
O episódio da praia e outros que invadiram os finais de semana do marido, filho e pai Rodrigo Cunha se transformaram em conhecimentos cumulativos e surgiram outros aprendizados, diz ele. “A jornada do empreendedor depende da capacidade e vontade dele de aprender. A pessoa que empreende precisa ter sede de aprender todo dia”. Hoje, sem lidar diretamente com o cliente e sem atendê-los nos fins de semana, Rodrigo consegue usufruir da casa na Praia de Serrambi e de horas vagas e de lazer, dedicadas a caminhar no bairro onde mora com a família na companhia do cão Golden.
Rodrigo conta que sempre gostou da área de exatas e de matemática. Uma matemática menos teórica e mais aplicada. Foi assim que resolveu dedicar-se ao curso de Estatística. Quando iniciou a graduação em Estatística, passou a se aprofundar em questões relacionadas à parte técnica. Uma das primeiras surpresas foi a descoberta do empreendedorismo, por meio de uma disciplina.
Era do Departamento de Estatística, mas começou a flertar com a computação e, para se aproximar da área, passou a cursar disciplinas no Departamento de Ciências da Computação. “Essa disciplina de empreendedorismo transformou um pouco a forma que eu estava enxergando a minha carreira. E foi aí que eu comecei a guinada depois dos dois primeiros anos do curso básico lá por 2000”. Rodrigo parecia alucinado pelas descobertas e parcerias, ao passo que percebia a chegada revolucionária do Google e da Amazon.
As dúvidas sobre o caminho a ser seguido surgiam, mas um professor, do qual até hoje Rodrigo guarda boas lembranças, fez a diferença. “Era o professor Hermano Perrelli, uma referência aqui, e eu só não posso dizer que é meu amigo porque eu o vejo pouco, mas tenho um carinho muito especial por ele”. Perrelli mostrava o prazer de ser empreendedor, de fazer planos de negócios; Rodrigo já pensava em startups e estava disposto a dedicar muita energia para um projeto pessoal. Tinha a convicção de que a união da estatística, da informática e do empreendedorismo poderia dar certo.
A Neurotech começou assim, tendo a academia como berço motivador e como guia para a busca de parceiros, sócios e ou mestres. A primeira startup criada por Rodrigo em sala de aula era a “vida dele, o sonho”; para os amigos, “mais uma disciplina”.
Perrelli sugeriu que, para cumprir a disciplina, ele entrevistasse um empreendedor. “Eu falei ‘pô, Hermano, quem é que você acha que devo entrevistar?’ Ele falou ‘olha só: tem um cara chamado Domingos, que está tocando aí uns projetos que têm uma sinergia com você”. Dica recebida e aproveitada.
Até hoje, Domingos é sócio de Rodrigo (“Brinco que ele é o mais velho, mas eu tenho 44 anos e ele tem 50. Pequena diferença”). Os dois se juntaram para desenvolver um projeto no CESAR. Domingos seguia com o escopo da Neurotech como projeto de pesquisa, prosperaram, mas Rodrigo titubeou sobre continuar ou não. Cogitou sair do projeto. Com protesto de Domingos, permaneceu e se tornou sócio-fundador da Neurotech, fundada oficialmente em 2002.
Lição nº2: invista em pesquisa
A primeira fase da Neurotech foi dedicada a pesquisas (inclusive com aporte de mestrado e doutorado) e de recursos escassos. Ninguém recebia dinheiro e o que mantinha os sócios eram bolsas de CNPQs, concedidas por projetos junto à universidade. A falta de investimento era um desafio extra para quem queria empreender no mercado de São Paulo (onde a carteira de cliente cresceu e se tornou majoritária no negócio), estando no Recife.
A ideia era expandir e aproveitar a base tecnológica e os talentos locais. O mercado financeiro era o alvo inicial. O primeiro investimento foi em marketing: ganhavam prêmios e bolsas, apareciam nos jornais e as honrarias e financiamentos contribuíam para consolidar a imagem da empresa no mercado. A essa altura, já se pensava em um passo mais largo: comprar a parte do CESAR no negócio. Ficaram só os cinco sócios, entre professores e alunos.
Casado, Rodrigo contava com o incentivo da esposa, psicóloga, e com o apoio da mãe, que sempre esteve ao seu lado, ainda que sua formação fosse mais propensa a defender campos profissionais menos instáveis que o do empreendedorismo. E, se o faturamento era baixo, o quadro tinha um agravante: “Vamos pegar todo o dinheiro e investir em pesquisa”. Ou seja, não havia sobra, lucros para levar para casa. “Tempos difíceis mesmo”. Somente de 2007 para 2008 os sócios começaram a receber o primeiro salário fixo como participação na sociedade e dar uma respirada.
Dúvidas sobre continuar ou não? Muitas, segundo Rodrigo, e em várias ocasiões. No início, quando ele aparecia em reportagens nos jornais, empresas ofertavam salários altos, com chance de crescimento. Ele recusava. “Propostas tentadoras”, lembra. Domingos e Rodrigo mantinham-se juntos e resistindo. “A gente sabia que era um produto para o futuro. Essa era nossa grande aposta, agora a gente tinha algumas inspirações, como o próprio Porto Digital, que eram muito claras para a gente. A gente ia olhando para o que estava acontecendo no mundo”.
O assédio do mercado persistia, mas os sonhadores da Neurotech estavam firmes, enquanto contavam com seus lastros em casa. O de Rodrigo, frisa ele, sempre foi largo. A mulher, Aleteia, na ocasião, recebia salário maior e sustentava a casa. A mãe, Nara – professora que virou auditora -, temia pelo insucesso, mas também estava pronta para o apoio. “A parceria em casa, o apoio ao empreendedor é muito importante. Faz grande diferença você saber que tem alguém ali, suportando com você”. Era por volta de 2002/2003 e, enquanto o turbilhão profissional, viagens, aprendizado e dúvidas comerciais estavam a todo vapor, Rodrigo soube da notícia da chegada do primeiro filho.
Lição nº 3 – Esteja atento às oportunidades
Entre 2008 e 2009, o espírito empreendedor mais agressivo dos sócios se forteleceu e a Neurotech resolveu procurar soluções de mercado mais específicas, voltadas para análises de créditos. Entende Rodrigo, sobretudo hoje olhando para trás, que é melhor investir em poucos produtos e entregá-los com eficiência do que apostar em vários e não cumprir ou prejudicar a entrega.
“E a gente próximo dos clientes, vendo uma oportunidade muito maior de criar uma plataforma tecnológica, algo que pudesse ajudá-los a tomar crédito como se fosse um pedacinho da operação do banco”. Era uma aposta, sem precisar de uma reinvenção. O produto era transformador, havia propostas de compra, sempre recusadas, uma delas até alinhada com japoneses, que desistiram após a crise americana. Grandes redes de magazines e outros clientes demonstraram interesse na solução; algumas, contratando a Neurotech.
Rodrigo sempre foi o técnico que traduzia o mercado. Aprendeu a colocar em prática a matemática e multiplicá-la dentro do concorrido e dinâmico mercado da tecnologia, como desenhava no tempo em que cursava graduação, mestrado e doutorado na UFPE. Continua sendo um bom vendedor de ideias e soluções.
Na Neurotech há uma metáfora sobre a venda da cereja premium, que é empregada e que pode traduzir bem. “Imagine que você vai comprar um bolo e, em cima do bolo, tem uma cereja. Até 2009, a gente vendia uma ótima cereja. Mas o pessoal não comprava só a cereja que estava em cima do bolo, e tudo indicava que as pessoas achavam a cereja muito boa, mas estavam insatisfeitas com o bolo”.
Se havia um problema, cabia aos empreendedores darem a solução para seus próprios negócios: precisavam preparar o bolo onde iriam colocar a cereja. E, para essa operação, cozinheiro ou não, sabe-se que é exigido um nível de complexidade maior. “Foi quando a gente começou a fazer o bolo”, diz ele. “Investimos em novos produtos e instalamos um novo momento da Neurotech”.
O mercado é muito restrito, sobretudo os da cereja tipo premium. E, se o bolo tem uma cereja premium e um bolo ruim, ninguém compra. A saída foi fazer o bolo premium, no nível da cereja. A empresa passou a fazer o bolo e oferecê-lo para grandes clientes.
Falhas, ajustes, momentos de tristeza (“O mais difícil é sempre aquele que você precisa desligar colaborador e é pior quando precisa ser em massa”), mas Rodrigo tem o que contar. Agora, passada a fase de dedicação exclusiva ao empreendedorismo, com mais de 360 colaboradores e cerca de 200 clientes em todo o Brasil, Rodrigo parece estar preocupado em repassar seus ensinamentos. E contribuir como pode com o projeto colaborativo do Porto Digital, que lida com tantos talentos da academia, como um dia ele foi.
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Silvia Bessa é jornalista. Gosta de revelar histórias que se escondem na simplicidade do cotidiano. Venceu três vezes o Prêmio Esso e tem quatro livros publicados
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