A ousadia de instalar um parque tecnológico no bairro onde nasceu uma capital histórica exigiu inúmeros esforços para que o Porto Digital saísse do papel, há 25 anos. Nesse percurso de transformações, uma descoberta arqueológica no Bairro do Recife lançou novas luzes sobre a dimensão desse processo.
Um dos maiores desafios foi a infraestrutura. O Governo de Pernambuco destinou R$ 33 milhões para a implantação das condições necessárias ao funcionamento do polo.

Entre as melhorias, estavam 9 km de fibra óptica de alto rendimento e 26 km de dutos subterrâneos, que tornaram o Bairro do Recife uma das regiões mais modernas do país na época, conforme mostra o “Porto Digital – Inovação e Preservação no Centro do Recife”.
A instalação da fibra óptica foi decisiva para a consolidação do parque, garantindo velocidade e estabilidade na transmissão de dados em um momento em que a internet comercial ainda se popularizava no Brasil.
O projeto, chamado “Luz e Tecnologia do Recife Antigo”, foi resultado de uma ampla parceria: Porto Digital, Celpe (hoje Neoenergia), Eletrobrás, Chesf, Governo do Estado, Prefeitura do Recife, Fundação Roberto Marinho e o Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A participação da UFPE foi indispensável. Em um bairro erguido sobre a história da própria cidade, qualquer escavação pode revelar surpresas. E foi exatamente isso que aconteceu em janeiro de 2002.
A descoberta de um sistema de defesa holandês

Durante escavações na Rua Barão Rodrigues Mendes, entre a Avenida Alfredo Lisboa e a Rua do Bom Jesus, a equipe liderada pelo professor Marcos Albuquerque, um dos mais renomados arqueólogos do país, encontrou vestígios de um sistema de defesa do século 17.
Tratava-se de uma muralha protegida por uma paliçada — cerca de madeira formada por estacas fincadas verticalmente no solo, usada como barreira em batalhas. O achado tinha grande valor histórico, já que, até então, havia apenas registros escritos da existência de tal fortificação.

As estacas, que originalmente mediam cerca de 2,5 metros de altura, estavam bem preservadas.
“O Bairro do Recife era um istmo, faixa estreita de terra entre áreas maiores, e a Rua do Bom Jesus ficava exatamente no centro desse istmo. O trecho encontrado funcionava como um baluarte, nome que damos para as laterais de uma fortificação, que precisam ser bem equipadas. A partir dali, a fortificação seguia até a atual região do Marco Zero”, explicou Marcos Albuquerque ao Jornal Digital.
Segundo o arqueólogo, o trabalho revelou ainda que o piso do bairro era bem mais baixo do que o atual: “Na Avenida Rio Branco, encontramos um piso do século 19, bem mais recente que esse outro achado. Tudo aquilo foi aterrado ao longo dos anos”, disse.

Outra parte da mesma muralha havia sido encontrada em 1999, durante escavações no imóvel que abrigou a Sinagoga Kahal Zur Israel. Na ocasião, a estrutura defensiva chegou a ser incorporada às paredes do edifício. Posteriormente, trechos adicionais foram identificados no antigo restaurante Donatário e na Galeria Ranulpho.
Além da muralha, os arqueólogos encontraram vestígios da Porta do Bom Jesus, além de restos de um dique de contenção do mar, erguido no século 19.
A importância das muralhas
Essas estruturas remontam ao período da ocupação holandesa em Pernambuco, nos anos 1630. Com o Recife transformado na capital do Brasil Holandês sob a liderança de Maurício de Nassau, os invasores ergueram muralhas para conter os ataques portugueses.
Além das barreiras, foram construídas portas de entrada e saída, onde era cobrado pedágio para custear as obras. Entre elas estava a Porta do Bom Jesus, localizada antes da Rua de mesmo nome, por onde se acessava a cidade vindo de Olinda.

Segundo o historiador Flávio Guerra, a porta era “feita de uma pesada estrutura de dois batentes que se fechava à noite, com fortificações laterais para defesa da costa”. Quem chegasse após o entardecer precisava apresentar uma senha para entrar.
Após a expulsão dos holandeses, em 1654, os portugueses ergueram no local uma capela em homenagem ao Senhor Bom Jesus. A estrutura resistiu até 1850, quando foi demolida para a construção do Arsenal da Marinha e para facilitar a circulação entre as ruas do bairro.
Museu a Céu Aberto

O trecho da muralha descoberto em 2002 foi transformado no Museu a Céu Aberto, localizado na Rua Barão Rodrigues Mendes. Inaugurado em 2007, durante a gestão de João Paulo (PT), o espaço é hoje administrado pela Prefeitura do Recife.
Protegido por vidros, o local permite que visitantes observem diretamente as ruínas do século 17. Uma placa conta os detalhes da história, embora o espaço sofra com atos de vandalismo e ainda seja pouco conhecido do grande público — apesar do potencial educativo e turístico.
Outras descobertas arqueológicas no Recife Antigo

O Museu a Céu Aberto integra um conjunto de achados que se sucederam no bairro a partir da virada do século.
Entre eles, um mikvá (banho ritual judaico) localizado na Sinagoga Kahal Zur Israel; e um cemitério colonial, descoberto na década de 2010 durante inspeções para a construção de moradias populares na Comunidade do Pilar.
Devido a essa riqueza histórica, o Ministério Público Federal recomendou que toda obra realizada no Bairro do Recife seja acompanhada por um arqueólogo.
Confira os sítios arqueológicos abertos à visitação no Bairro do Recife:
- Museu Militar do Forte do Brum – administrado pelo Exército Brasileiro;
- Sinagoga Kahal Zur Israel – administrada pela Federação Israelita de Pernambuco (Fipe);
- Museu a Céu Aberto – administrado pela Prefeitura do Recife;
- Caixa Cultural – administrada pela Caixa Econômica Federal.
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