Existem algumas curiosidades históricas sobre o Recife que explicam um pouco a fama que a capital detinha de “moderna” durante o século 20. Essas mesmas curiosidades também podem mostrar como somos pouco apresentados ao passado da cidade.

Hoje, poucos sabem que a área do Cais de Santa Rita, que atualmente comporta um terminal integrado de ônibus e um centro comercial, abrigou um aeroporto para hidroaviões entre as décadas de 1930 e 1940.

Essa estrutura de aviação recebia “junkers” alemães da Sindikat Condor, italianos da LATI, franceses da Latécoère, além dos “clippers” da Pan American World Airways (a principal e maior transportadora aérea internacional da época) e da Panair Brasil.

Hidroavião Aeroporto Santa Rita Recife
Hidroavião na região portuária do Recife entre 1935 e 1945, por Benício Dias, via Fundaj

O Cais

Essa região funcionava como uma espécie de cais para pequenas embarcações já em meados do século 19. Em 1923, a área teve uma eclosão de modernidade com a inauguração da Ponte Giratória, que fazia parte da grande reforma urbana do Bairro do Recife.

Nos anos seguintes, o Recife continuava vivendo um inegável progresso. O médico, memorialista e cronista recifense Rostand Paraíso (1930 – 2019) dedicou um capítulo ao Aeroporto de Santa Rita no livro “O Recife e a 2ª Guerra Mundial”, onde mescla recortes de jornais e memórias de infância.

“Revisitando os jornais, comecei a ver o Recife como uma cidade que, até a década de 1930, vinha se desenvolvendo de uma forma ordenada, com o crescimento, lado a lado, do seu porto, de suas indústrias e do seu comércio, com uma política habitacional e de saúde adequadas, com um desenvolvimento cultural e científico paralelos, cidade que amadurecia gradativamente e prometia se transformar, nas décadas que se seguiram, numa das mais atraentes e agradáveis metrópoles do nosso País. O Recife era como uma fruta que, se devidamente cuidada, tornar-se-ia, no momento propício, de um sabor extraordinário”.

Cais Santa Rita
Cais de Santa Rita em 1940, por Benício Dias via Fundaj

Sobre o aeroporto em si, ele registra: “Naquela época, todo mundo viajava de navio, poucos utilizando os hidroaviões, que, às vezes, traziam apenas um ou dois passageiros. Esses hidroaviões pousavam no Aeroporto de Santa Rita que ficava – quem lembra? – localizado ali naquele Cais, quase defronte à Ponte Giratória (aquela velha ponte que se abria e fechava para dar passagem aos barcos), onde, no ano de 1922, já haviam desembarcado, fazendo escala no Recife, vindos de Lisboa e a caminho do Rio de Janeiro, Sacadura Cabral e Gago Coutinho, naquela que tinha sido a primeira travessia aérea do Atlântico Sul”.

Movimentação no Aeroporto do Cais de Santa Rita

Diario de Pernambuco Aeroporto
Notícia de movimentação de portos e aeroportos citando o Aeroporto de Santa Rita – Crédito: Diario em 15 de março de 1940

O Aeroporto de Santa Rita tem as suas primeiras aparições na imprensa em 1933. Infelizmente, não existe um detalhamento do processo de sua construção. Ele aparece de “supetão” nas páginas de “movimentação de portos e aeroportos”, que avisam quais aeronaves iriam chegar e quais os passageiros ilustres – e esse aeroporto recebeu muitos.

Em maio de 1938, passou por lá a estrela cinematográfica norte-americana Mae Clarck, em trânsito para Manaus em um Panair. “Há pouco tempo, ela contraiu núpcias com o aviador Steven Jeorge Brancolf, comandante de um dos aviões da Panair”, registrou o Diario de Pernambuco na notícia “Muito movimentado, ontem, o aeroporto de Santa Rita”.

“Falando aos repórteres Mae Clarck declarou que volta à América do Norte porque o seu marido foi transferido para a linha do Pacífico, de Pan American Airways System. Trabalhando há bastante tempo na linha do litoral brasileiro, Brancoff é um dos mais antigos pilotos americanos. […] Despedindo-se de nosso país, Mae Clarck declarou-nos que leva saudades do Brasil e do nosso povo”.

Mae Clarck
Diario de Pernambuco noticiado a passagem da atriz Mae Clarck pelo Aeroporto de Santa Rita, em 20 de maio de 1938

Ainda em 1938, teve grande destaque nas páginas do Diario a passagem da atriz francesa Annabella. “A chegada da atriz constituiu um acontecimento para os fãs da grande estrela. Às 16h, quando o Baby Clipper chegou no Aeroporto de Santa Rita, era grande o número de pessoas que aguardavam o desembarque da artista.”

“Sob aplausos dos presentes, ela desceu rapidamente do avião: ostentava o seu conhecido sorriso, vestia elegante tailleur e trazia duas belas orquídeas brasileiras. Passou rapidamente pelo jardim e tombou no automóvel que ali se achava à sua disposição. O intuito era fugir das manifestações que lhe seriam prestadas. E a retirada foi tão bem feita que não deu tempo que a multidão evitasse a decepção.”

Annabela Aeroporto Santa Rita Recife
Atriz Annabela conversando com jornalistas no terraço do Hotel Central, após pousar no Recife pelo Aeroporto de Santa Rita – 14 de dezembro de 1938

Em 1940, mais um astro de Hollywood a passar por lá foi Errol Flynn, indo para o Rio de Janeiro em um Panair. “Nesta cidade, ele será recebido pelos representantes da imprensa e cinematografistas. A fotografia acima foi enviada pelo artista por intermédio do jornalista Alfredo Sá, representante dos Diários Associados em Hollywood e amigo pessoal do artista”, registrou o Diario.

Por pouco, um desastre que mudaria o Recife

Em dezembro de 1940, um hidroavião da Panair em rumo ao Sul do País decolou do aeroporto. Ao aterrissar em Salvador, o aparelho, desviando-se de uma embarcação, sofreu um violento choque e, em consequência de um rombo na proa, ficou meio submerso na água.

Dos onze passageiros, apenas três sofreram ferimentos de natureza leve. Entre os passageiros desse avião estava o industrial José Pessoa de Queiroz, que se não tivesse sobrevivido, não teria fundado a Rádio Jornal, em 1948, e TV Jornal do Commercio, em 1960.

Aeroporto Santa Rita
Notícia de acidente de avião que partiu do Aeroporto de Santa Rita em 27 de dezembro de 1940

A última citação ao Aeroporto de Santa Rita no “Diario” ocorreu em 1942, quando sete chanceleres americanos transitaram no Recife após pousarem aviões da Pan American Airways INC. Foram recebidos por autoridades do Estado, entre as quais o interventor Agamenon Magalhães e o general Mascarenhas de Morais. 

Depois disso, um aeroporto de mesmo nome passa a ser constantemente citado na imprensa, a partir de 1944, mas em João Pessoa, na Paraíba. Esse aeroporto do Recife partiu da mesma forma como chegou: sem maiores explicações.

Vale ressaltar que, desde a década de 1920, a capital também tinha o Campo do Ibura, usado para pousos e reformado pelos americanos para a Segunda Guerra Mundial. Em 1958, foi cedido à Infraero para abrigar o atual Aeroporto dos Guararapes.

Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio

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